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sábado, 10 de setembro de 2011

JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO, ACIDENTE DE VIAÇÃO, PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 30-06-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1810/10.6TTLSB.L1-4
Relator: NATALINO BOLAS
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: Viola o princípio da proporcionalidade aplicar a sanção expulsiva a trabalhador motorista que causou acidente mortal se se provou que, por ordem da entidade empregadora já estava ao serviço da empresa há cerca de 14h e meia no dia do acidente, sendo natural que o cansaço por um tão longo dia de trabalho tenha contribuído para a menor atenção na condução e não se provaram ocorrências estradais anteriores.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

A veio impugnar judicialmente a regularidade e licitude do seu despedimento promovido por
“B, L.da”,
A empregadora juntou articulado de Motivação alegando, em síntese, que
a) o processo disciplinar instaurado ao trabalhador fundamentou-se nas seguintes circunstâncias: no dia 06.01.2010 este exercia as suas funções de motorista ao serviço da empregadora quando atropelou um peão que atravessava numa passadeira existente na Estrada ..., e que acabou por falecer no hospital;
b) da análise do disco tacógrafo verificou-se que o trabalhador conduzia o autocarro da empregadora a uma velocidade de cerca de 60 km/hora e só travou o mencionado veículo depois de ter colhido o peão na passadeira;
c) o comportamento do trabalhador foi negligente, agravado pelo resultado, tinha antecedentes e a empregadora decidiu aplicar a pena mais grave, como em circunstâncias da mesma natureza já fez;
d) «era inexigível» à empregadora «que tivesse aplicado ao trabalhador uma sanção conservatória da relação laboral já que se verificou, em concreto, uma situação de impossibilidade imediata a prática de manutenção da relação laboral, pela gravidade e consequência da conduta» do trabalhador.
Concluiu pedindo que seja declarada a licitude do despedimento promovido contra o trabalhador.
O trabalhador veio apresentar Contestação, impugnando parte da matéria factual alegada pela empregadora e relativa aos factos que lhe foram imputados no processo disciplinar, sustentando que não circulava à velocidade de 60 km/h e que trabalhava ao serviço da empregadora há cerca de doze horas quando se deu o acidente/atropelamento, concluindo por sustentar a inexistência de justa causa para o seu despedimento pelo facto de o mesmo ser manifestamente desproporcionado face ao comportamento do trabalhador.
Deduziu ainda reconvenção, peticionando créditos laborais, indemnização de antiguidade e indemnização por danos morais.
Concluiu pedindo que
- seja declarado ilícito e nulo o despedimento de que foi alvo e
- a empregadora seja condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir aos 30 dias anteriores à propositura da presente acção e, ainda, reintegração ou, caso opte, indemnização de antiguidade e, também, indemnização por danos morais no montante de € 5.000,00.
A empregadora respondeu, concluindo conforme fizera na Motivação.
O trabalhador optou pela indemnização em detrimento da reintegração.
Procedeu-se a julgamento, tendo a matéria de facto sido decidida sem reclamações (fls. 187 a 193).
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em
consequência,
1. declara-se ilícito o despedimento do trabalhador,
3. condena-se, em consequência, a empregadora a pagar-lhe
a) as retribuições que este deixou de auferir desde a data de despedimento até ao termo certo do contrato de trabalho que os unia, nelas se incluindo os proporcionais de ferias, subsídio de férias e de Natal;
b) a indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades relativa a três meses e
c) a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos morais,
d) tudo acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal, vencidos desde as datas dos vencimentos de cada uma das retribuições e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e desde a data da citação, no que respeita à indemnização legal e á indemnização por danos morais, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Custas da acção pelo trabalhador e pela empregadora na proporção dos respectivos decaimentos – artigo 446.º n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil”.

Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da manutenção da decisão.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, a questão essencial a que cumpre dar resposta no presente recurso consiste em saber se o apurado comportamento do trabalhador constitui justa causa de despedimento.

II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados, são os seguintes:
1. Em 1 de Junho de 2009 o trabalhador foi admitido ao serviço da empregadora para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções de motorista de Automóveis Pesados de Passageiros mediante subscrição do escrito particular denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, nos termos do qual a empregadora (na qualidade de primeira outorgante) e o trabalhador (na qualidade de segundo outorgante) acordaram, de relevantes, as seguintes cláusulas:
«(…)
Segunda: Pelo desempenho das referidas funções o segundo outorgante auferirá a remuneração base mensal de € 611,00 (seiscentos e onze euros).
(…)
Quarta: 1. O segundo outorgante obriga-se a cumprir um horário semanal de 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) horas semanais, assim como a prestar trabalho nocturno e trabalho suplementar sempre que a primeira outorgante o determinar.
(…)
Quinta: O presente contrato vigora pelo período de 12 (doze) meses, com início em 1 de Junho de 2009 e termo em 31 de Maio de 2010.»
2. Em 7 de Janeiro de 2010 a empregadora entregou ao trabalhador uma carta na qual o informava que lhe tinha instaurado um processo disciplinar, sendo intenção da empresa proceder ao seu despedimento com invocação de justa causa, ficando o trabalhador suspenso preventivamente a partir da recepção desta comunicação e notificação da Nota de Culpa (…) sem perda de retribuição, até decisão do presente processo.
3. Com a referida carta a empregadora enviou a Nota de Culpa e notificou o trabalhador de que dispunha de dez dias úteis para consultar o processo, responder à Nota de Culpa (…) juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
4. O trabalhador foi suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, desde o dia 8 de Janeiro de 2010.
5. O trabalhador respondeu à Nota de Culpa em 21 de Janeiro de 2010, sustentando que não violou quaisquer deveres a que estava obrigado; mas ainda que se entendesse o contrário, não se verificavam os pressupostos para lhe ser aplicada a sanção mais gravosa porquanto o acidente ocorreu após doze horas de trabalho ao serviço da empregadora, não podendo esta afastar as suas responsabilidades depois de obrigar o trabalhador a conduzir tantas horas.
6. Em 15 de Abril de 2010 a empregadora, dando como provados os factos imputados ao trabalhador na Nota de Culpa, entregou a este uma carta na qual lhe comunicou a decisão de lhe aplicar a sanção disciplinar de despedimento com justa causa (…) pois não cumpriu com as obrigações e deveres que como trabalhador lhe cumpre escrupulosamente observar.
7. No dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 20 horas e 45 minutos, o trabalhador exercia as suas funções de motorista de serviço público ao serviço da empregadora, efectuando o serviço da chapa ... e conduzindo o autocarro (articulado) com o número de frota ....
8. Quando o trabalhador fazia com o mencionado autocarro ... a carreira n.º ... da “...” para o “...”, ao circular na Estrada ... no sentido ..., atropelou um peão que procedia à travessia da passadeira de peões ali existente.
9. Na sequência desse atropelamento o peão ficou com graves ferimentos, tendo sido transportado para o Hospital de Santa Maria, onde veio a falecer.
10. Do acidente resultaram prejuízos materiais no autocarro da empregadora, no valor de € 1.813,35.
11. Cujo valor foi integralmente suportado por esta.
12. Após o acidente mencionado em 8, o Sr. C, Chefe da Estação da
empregadora, dirigiu-se ao local, acompanhado pelo Motorista D, a
fim de tomar conta da ocorrência.
13. Tendo dado instruções ao Sr. D para que, depois de as autoridades
policiais terem terminado a perícia do atropelamento, conduzisse o autocarro até às instalações da empregadora, sitas em ....
14. No momento do atropelamento o trabalhador circulava com o autocarro a cerca de 60 km/hora.
15. O relógio do tacógrafo do veículo descrito em 7 e 8 estava adiantado uma hora.
16. Na via onde ocorreu o atropelamento mortal existem várias passadeiras para peões.
17. Nessa via, e durante o ano de 2009, houve 27 atropelamentos, 24 deles na passadeira, nenhum mortal.
18. Na mesma via, e até ao dia 20.01.2010, houve 2 atropelamentos, contando com o dos autos, que foi o único mortal.
19. É prática disciplinar da empregadora aplicar a sanção de despedimento com justa causa em todas as situações de atropelamento com morte.
20. No dia 6 de Janeiro de 2010 o trabalhador iniciou o seu trabalho por conta da empregadora às 6 horas e 25 minutos, parando para almoçar entre as 11 horas e 25 minutos e as 13 horas e 30 minutos.
21. O trabalhador esteve parado, em reserva, das 10 horas e 20 minutos às 11 horas e 15 minutos.
22. E das 14 horas e 15 minutos às 15 horas e 15 minutos.
23. O trabalhador sempre foi empenhado e cumpridor no seu trabalho.
24. Depois de ter sido despedido o trabalhador passou a necessitar de medicação para dormir, tornou-se triste e afastou-se dos familiares e amigos.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Vejamos, então, se o comportamento do trabalhador constitui justa causa de despedimento.
Os factos ocorreram em Janeiro de 2010 pelo que lhe é aplicável o Código do Trabalho na redacção introduzida pela lei 7/2009 de 12.02.
O conceito de justa causa de despedimento por comportamento imputável ao trabalhador está hoje plasmado no art. 351.º do CT, em termos em tudo idênticos ao que já estava estabelecido no Código do Trabalho na redacção de 2003, pelo que continuam válidas os ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais que, nesta matéria, se foram cimentando ao longo dos anos.
Daí que, tendo já sido proferidos, por um sem número de vezes, acórdãos sobre o que deve ser entendido como justa causa de despedimento, não nos ponhamos, agora, a inovar, permitindo-se-nos respigar o que já escrevemos noutros acórdãos que, nessa matéria – sobre o conceito de justa causa – mantém a actualidade, nada havendo, mesmo, a alterar à douta sentença que, no que ao mencionado conceito se refere, está devidamente fundamentado.
Vejamos, então.
Nos termos do art. 351.º do mencionado CT, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento”, o conceito de justa causa está formulado nos seguintes termos:
1 — Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 — Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 — Na apreciação da justa causa, deve atender -se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Para a compreensão do conceito de justa causa a que se refere este artigo podemos apoiar-nos nos ensinamentos que, quer a doutrina quer a jurisprudência, já vinham transmitindo no domínio da legislação revogada com a entrada em vigor do Código do Trabalho, dado que a redacção:
- do seu n.º 1 corresponde, ipsis verbis, ao n.º 1 do art.º 9.º do DL 64-A/89 de 27.02;
- do seu n.º 2 corresponde ao n.º 5 do art.º 12.º do referido DL 64-A/89; e
- do seu n.º 3 constitui a reprodução do n.º 2 do art.º 9.º do mencionado DL 64-A/89 (à excepção da alínea f) deste último artigo que não se mostra transposta para o actual Código do Trabalho).

A justa causa corresponde a uma cláusula geral ou um conceito indeterminado, cujo preenchimento depende das circunstâncias de cada caso concreto.
A doutrina e a jurisprudência estão de acordo, quanto aos requisitos e às circunstâncias em que deve assentar a justa causa de despedimento.
Por sintetizar o que de bom se tem escrito acerca do conceito de justa causa, aqui se cita o Acórdão do STJ de 10/12/97(CJ- Acs. Do STJ, 1997-tomo III, pg. 298), ainda referido ao revogado DL 64-A/89 de 27.02, mas cuja doutrina continua válida no domínio do Código do Trabalho:
“….a existência de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
- outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
- existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento torna-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador.
A justa causa disciplinar tem a natureza de uma infracção disciplinar, pressupondo uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou ou pela disciplina da organização em que essa actividade se realiza.
Mas, não basta aquele comportamento culposo do trabalhador. É que sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências.
E a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (…).
Tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciados em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
Mas, o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo.
Aquela impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, leva-nos para o campo da inexigibilidade, a determinar - através do balanço, em conflito, dos interesses em presença – o da urgência da desvinculação e o da conservação do contrato de trabalho. Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja julgado mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato.
Assim, somente se poderá concluir pela existência de justa causa, comparando-se a diferença dos interesses contrários das partes, quando em concreto, e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador ( cfr. Monteiro Fernandes, em " Direito do Trabalho, 8a edição, vol. I, págs. 461 e sgs.; Menezes Cordeiro, em "Manual do Direito de Trabalho", 1991, págs. 822; Lobo Xavier, em " Curso de Direito de Trabalho", 1992, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, págs. 249; Motta Veiga, em "Direito do Trabalho", II, págs. 128)”.
Como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justificará o recurso a sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, actuando, assim, o principio da proporcionalidade.
O despedimento, constituindo "uma saída de recurso para as mais graves crises de disciplina - justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato -, implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. (…) "..a graduação das sanções disciplinares deve ser feita de tal modo que, ao menos tendencialmente, a margem de disponibilidade das medidas disciplinares conservatórias se equipare à margem de viabilidade da relação de trabalho (do contrato, portanto). É exigível, por outras palavras, que se não antecipe artificialmente a necessidade do despedimento, pelo recurso a sanções-limite para infracções primárias ou cuja gravidade o não justifique" (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 553-554).

Dito isto, analisemos o caso dos autos.
A recorrente procedeu ao despedimento por invocada justa causa, imputando ao autor comportamentos que entende constituírem violação dos “deveres de zelo e diligência que deve observar no desempenho das suas funções”, “o dever de obedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina no trabalho, bem como o dever de velar pela conservação e pela boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhe foram confiados pela empresa” em violação do art. 128.º n.º 1 als. c) e) e g) do Código do Trabalho na redacção introduzida pela Lei 7/2009 de 12.02, comportamento que entendeu susceptível de integrar o conceito de justa causa de despedimento por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 al. h) do art. 351.º do CT.
A sentença, considerando, embora, que o trabalhador cometeu as infracções apontadas, “Não se suscitam dúvidas ao tribunal de que o atropelamento de um peão, que se revelou mortal para este, numa passadeira, conduzindo numa via pública a cerca de 60 km/h, constitui uma violação grave das normas de condução e segurança e dos deveres profissionais de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como segurança no trabalho, velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador e pela segurança dos utentes da via pública – cfr. artigo 128.º n.º 1 als. c), e) e g) do Cód. Trabalho e cláusula 12.ª, alíneas b), e) e i) do CCT ANTROP/FESTRU, de urbanidade e probidade plasmados no artigo 128.º n.º 1 al. a) do Cód. Trabalho, merecedora de sanção disciplinar”, entendeu, contudo, que o comportamento do trabalhador não é tão grave que mereça a sanção expulsiva, (sanção-limite) podendo a entidade empregadora optar por sanção conservatória da relação laboral.
Ponderou, tendo em conta os factos assentes, em apoio da sua decisão e em benefício do trabalhador, “que o mesmo estava ao serviço da empregadora há catorze horas e meia, com condução efectiva de um autocarro articulado de cerca de nove horas e meia, que era de noite e estava a terminar o serviço e não ficou provado que o trabalhador tivesse antecedentes – como a nota de culpa lhe imputava.
Considerou, por isso, violado o princípio da proporcionalidade na aplicação da sanção.

Vejamos.
Sabemos que o trabalhador está obrigado a desempenhar a actividade para que foi contratado, conforme resulta do art. 118.º do CT.
Conexo com a actividade laboral, existe um conjunto de deveres acessórios do trabalhador, enquanto tal, que estão plasmados de modo exemplificativo no art. 128.º do CT e complementado com o enunciado das situações que podem constituir justa causa de cessação do contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º n.º 3 do CT).
Os deveres de zelo (que se fundam no princípio do melhor rendimento que impõe um esforço para melhorar o processo produtivo – cfr. também o art.º 128.º n.º 1 al. g) do CT onde está estabelecido o dever que incumbe sobre o trabalhador de contribuir para a melhoria da produtividade da empresa) e de diligência (como “tensão e esforço da inteligência e da vontade no correcto cumprimento do dever”) são integrantes da prestação do trabalho (prestação principal do trabalhador) permitindo avaliar o modo como foi cumprida essa prestação. A medida desse zelo ou da diligência do trabalhador na prestação da actividade laboral deve ser aferida segundo o critério do bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso (Cfr. neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, pág. 353 e Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, pág. 489).
O cumprimento do dever principal – prestação da actividade – sem zelo ou com falta de diligência, com perda de rendimento, é um cumprimento negligente que, sendo repetido e revelando desinteresse do trabalhador pelas funções pode constituir justa causa de despedimento nos termos do art.º 351.º n.º 3 al. d) do CT.
O dever de obediência (art.º 128.º n.º 1 al. d) do CT) “é o dever acessório mais importante do trabalhador, a par do dever de lealdade” (Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, pág. 349) e decorre da situação de subordinação jurídica do trabalhador perante a sua entidade patronal, titular do poder de direcção.
Não vemos que o comportamento do trabalhador tenha violado os deveres de zelo ou de obediência, já que dos factos assentes não vem afirmado que o trabalhador não desse o melhor do seu esforço em prole do empregador ou que lhe tivesse desobedecido em qualquer circunstância.
Pelo contrário, no que concerne ao dever de zelo: ficou assente que “o trabalhador sempre foi empenhado e cumpridor no seu trabalho” (facto sob 20), e mesmo no dia 6 de Janeiro de 2010 – data do acidente, - o trabalhador esteve ao serviço da empresa durante cerca de catorze horas e meia, sendo certo que o horário normal contratado era de 8 horas diárias (facto sob 1).
Já poderemos concluir dos factos assentes que o dever de diligência foi efectivamente violado pelo trabalhador porquanto, sendo motorista profissional, conduzia dentro da cidade a velocidade superior à legalmente permitida – o limite estabelecido é de 50km e o ora recorrido conduzia a uma velocidade de 60km/hora.
Ao exceder a velocidade permitida cometeu uma infracção estradal leve (art.s 136.º n.º 2 e 24.º, 25.º e 27.º n.º 2 al. b) 1.ª ).
Dos factos não resulta que essa infracção foi causal do atropelamento mortal da vítima, pois o que se refere na nota de culpa é que o trabalhador “ao não se ter apercebido do peão que fazia a travessia da via na passadeira…” agiu negligentemente.
Não consta pois, dos factos assentes, que foi a infracção cometida por excesso de velocidade que originou o embate com a infeliz vítima.
Podemos, até, supor que, indo dentro da velocidade legal e, não se tendo apercebido do peão, tivesse ocasionado idêntico resultado – atropelamento de que veio a falecer a infeliz vítima.
Isto não quer dizer que, ao atropelar um peão em cima de passadeira não constitua, também, infracção estradal que, sendo punível apenas com coima, constitui infracção estradal leve.
Dos factos resulta, assim, que o apurado comportamento do trabalhador, enquanto motorista, infringiu normas estradais consideradas como infracção leve, mas que tiveram consequências gravíssimas para a infeliz vítima.
A entidade empregadora diz – e ficou assente - que “é prática disciplinar da empregadora aplicar a sanção de despedimento com justa causa em todas as situações de atropelamento com morte (facto sob 19).
Mas, cada caso é um caso e bem pode acontecer que exista fundamento legal para uma decisão desse tipo num dos caos e não noutros.
No caso dos autos, tendo em conta, tal como se diz na sentença, que o trabalhador já estava há cerca de 14h e meia ao serviço da empresa no dia do acidente, é natural que o cansaço por um tão longo dia de trabalho tenha contribuído para a menor atenção na condução.
Daí que, tal como na sentença, entendamos que, sendo embora merecedor de sanção, o comportamento do trabalhador não foi suficientemente grave de modo a exigir a sanção máxima – ademais, não se tendo provado que o trabalhador tinha ocorrências estradais anteriores de que tivesse sido culpado.
Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos provados, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.


IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas em ambas as instâncias pela recorrente

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/3c7a1ad8b9f6b801802578d100501d8d?OpenDocument

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