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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - NEGÓCIO JURÍDICO VALIDADE IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA SUBJECTIVA DA PRESTAÇÃO - 06/09/2011


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1480/10.1TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: NEGÓCIO JURÍDICO
VALIDADE
IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA SUBJECTIVA DA PRESTAÇÃO

Data do Acordão: 06-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA - 1ª SECÇÃO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 401º, Nº 3 DO CC

Sumário: I – A impossibilidade originária subjectiva da prestação é, de acordo com o preceituado pelo artigo 401º, nº 3 do Código Civil, irrelevante, não afectando a validade do negócio jurídico.
II – É manifestamente improcedente a oposição à execução em que a oponente alega factualidade tendente a demonstrar a sua impossibilidade originária subjectiva para cumprir a obrigação que assumiu ao avalizar as livranças apresentadas como títulos executivos.


Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução nº 1480/10.1TJCBR, a correr termos pela 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, em que o exequente, Banco …, S.A., apresentado como títulos executivos quatro livranças, visa a cobrança coerciva da quantia de € 2.863.378,22, foi pela executada, R…, deduzida oposição em que, para além de outros fundamentos que para este recurso não relevam, alegou que “… existe por parte da Executada impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação que aqui lhe é exigida, nos termos do disposto nos artigos 401º e 791º do Código Civil”[1].

Pelo despacho constante de fls. 28 a 32 dos autos foi a oposição considerada manifestamente improcedente e, por isso, liminarmente indeferida[2].

No que concerne ao fundamento atrás indicado, escreveu-se no mencionado despacho: “O segundo fundamento que invoca - impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação que aqui lhe é exigida – não encontra apoio na factualidade que alegou. O facto de não dispor de meios de subsistência não constitui fundamento para oposição à execução, podendo apenas ser valorado em sede executiva no contexto do disposto pelo artº 824º do CPC.”

A oponente recorreu, restringindo o objecto do recurso à parte do despacho que julgou manifestamente improcedente o fundamento mencionado[3].

Na alegação apresentada formulou as conclusões seguintes:



Foi proferido despacho de admissão do recurso[4].

Não consta dos autos qualquer resposta do recorrido.

Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.


***

Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[5], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as seguintes questões:
a) Violação do princípio do contraditório;

b) Excesso de pronúncia;

c) Deficiência da fundamentação;

d) Desconsideração do disposto nos artºs 401º e 791º do Código Civil.



***

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto

A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, aqui dado como reproduzido, e ainda o seguinte:

a) No que concerne ao fundamento de cujo indeferimento liminar a oponente recorre, a factualidade alegada no articulado inicial da oposição com relevância para a apreciação do mesmo é a seguinte[6]:

- Nunca (a recorrente) teve qualquer intervenção directa ou indirecta na vida da empresa - art.º 4º da oposição;

- É certo que assinou as livranças, mas assinou apenas porque lhe transmitiram que o teria que fazer atendendo à sua condição de casada - art.º 5º da oposição;

- A dívida nunca foi contraída em proveito comum do casal - art.º 6º da oposição;

- A própria executada nunca retirou qualquer proveito económico da dívida - art.º 7º da oposição;

- É pessoa sem qualquer formação académica e com pouca instrução literária (apenas a 4ª classe) - art.º 8º da oposição;

- Se soubesse as implicações e responsabilidade não teria assinado as livranças - art.º 9º da oposição;

- De todo o modo, a Exequente sempre soube com quem estava a contratar – art.º 10º da oposição;

- A executada é doméstica - art.º 11º da oposição;

- A executada é inválida e aufere uma pequena pensão de invalidez - artigos 12º e 13º da oposição;

- Tem a seu cargo um filho menor de idade - art.º 14º da oposição.



***

2.2. De direito
Como foi oportunamente referido, a oponente esgrimiu no articulado inicial da oposição, entre outros que aqui não relevam, o argumento de que existe da sua parte impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação que lhe é exigida, nos termos do disposto nos artigos 401º e 791º do Código Civil.

Sob a epígrafe «Impossibilidade originária da prestação», o artigo 401º do Código Civil preceitua:

1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.

2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.

3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas à pessoa do devedor.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[7], no nº 3 do artigo 401º esclarece-se o significado da impossibilidade em matéria de obrigações. E exemplificam: “É impossível a obrigação de entregar um objecto que foi anteriormente consumido por um incêndio; mas não é impossível a obrigação assumida por um cego de vigiar uma casa, nem a obrigação assumida por uma fábrica quanto a um fornecimento que exceda a sua capacidade de laboração. Nestes últimos casos, não há impossibilidade em relação ao objecto (impossibilidade objectiva), mas em relação à pessoa que se obriga (impossibilidade subjectiva).

Ou seja, em matéria de impossibilidade originária da prestação, a impossibilidade subjectiva é irrelevante. Só a objectiva – e nem sempre, como resulta das excepções consagradas no nº 2 do artigo 401º – produz a nulidade do negócio jurídico.

A recorrente invocou impossibilidade originária subjectiva e alegou factualidade tendente a provar tal impossibilidade. Viesse ou não essa factualidade a provar-se a consequência jurídica a extrair seria sempre a mesma: a impossibilidade originária subjectiva não tem quaisquer efeitos sobre a validade do negócio[8] e [9].


Mas a oponente aludiu também ao artigo 791º do Código Civil que, com a epígrafe «Impossibilidade subjectiva», estabelece que “A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro”.

Trata-se de norma relativa ao cumprimento das obrigações, daí decorrendo que a impossibilidade referida é a impossibilidade superveniente e não a impossibilidade originária.

Recorremos de novo ao ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela[10], Mestres que, em anotação ao artº 791º, afirmam: “A impossibilidade subjectiva do cumprimento da obrigação, isto é, a relativa à pessoa do devedor, precisa também de ser superveniente, tal como a impossibilidade objectiva prevista no artigo anterior[11], para que fique sob a alçada desta disposição.” E no parágrafo seguinte esclarecem: “Outro é o regime da impossibilidade originária. Nos termos do nº 3 do artigo 401º, a simples impossibilidade subjectiva não torna a obrigação nula. Sendo, pois, a obrigação válida, e não sendo ela fungível, sujeita-se o devedor às consequências do não cumprimento culposo.”

No caso que nos ocupa, a oponente, apesar da alusão ao artigo 791º do Cód. Civil, teve em mente, na oposição à execução, não qualquer impossibilidade subsequente, mas tão só uma invocada impossibilidade originária. Tal resulta directamente da alegação feita no artigo 15º do articulado inicial da oposição e indirectamente da restante factualidade ali exposta. De resto, tal factualidade, ainda que, prosseguindo os autos a sua tramitação, viesse a provar-se, não seria nunca susceptível de integrar impossibilidade superveniente subjectiva, tal como a desenha o mencionado artigo 791º do Cód. Civil[12].

E, com todo o respeito por diferente opinião, não se vê como poderia a oponente, que ao avalizar as livranças assumiu perante o respectivo portador a obrigação de as pagar no seu vencimento (artºs 77º, 78º, 32º e 28º da LULL), encontrar fundamento válido para, com base em pretensa impossibilidade, se esquivar ao cumprimento. É que estamos perante uma obrigação de resultado – pagamento da importância titulada pelas livranças – e a falta de disponibilidade de tal importância não integra, manifestamente, impossibilidade seja da prestação, seja do respectivo cumprimento.


Do que fica dito resulta já com clareza que soçobram todas as conclusões da alegação da recorrente.

Com efeito, o indeferimento liminar baseado na manifesta improcedência da oposição, designadamente no que respeita ao fundamento que vem sendo analisado, está previsto no artº 817º, nº 1, al. c) e o proferimento do respectivo despacho não necessita de ser precedido de qualquer audição prévia do oponente, que manifestou a sua posição no articulado inicial, não podendo, pois, ser considerado decisão-surpresa; nem integra qualquer impedimento ilícito de o oponente “produzir prova sobre a factualidade que invocou para se defender”, já que, como é lógico, sendo a oposição manifestamente improcedente, a produção de prova sobre a factualidade alegada redundaria em pura inutilidade, proibida pelo artº 137º.

Não foi, portanto, violado o princípio do contraditório, consagrado no artº 3º, nº 3.

É também claro que, contra o defendido pela recorrente, o tribunal estava na posse de elementos suficientes, constantes do articulado inicial da oposição, para fazer um juízo ponderado e fundamentado sobre a manifesta improcedência da oposição, porquanto, como se deixou demonstrado, caso os autos prosseguissem a sua tramitação, viesse ou não a provar-se a factualidade alegada, sempre a oposição teria de improceder.

E não há dúvida que ao proferir o despacho que indeferiu liminarmente a oposição por manifesta improcedência a 1ª instância não conheceu de questão de que não pudesse tomar conhecimento, isto é, não incorreu em excesso de pronúncia [artº 668º, nº 1, al. d)]. Efectivamente, o juiz deve, de acordo com o artº 660º, nº 2, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

O artº 817º, nº 1, al. c) impõe ao juiz que indefira liminarmente a oposição que seja manifestamente improcedente. Ao proferir o pertinente despacho liminar de indeferimento o juiz não está, obviamente, a conhecer de questão subtraída ao seu conhecimento.

É certo que, de acordo com o artº 205º, nº 1 da Constituição e 158º do Cód. Proc. Civil, o despacho de indeferimento, nomeadamente no que concerne ao fundamento que a recorrente entende que não deveria ter sido considerado manifestamente improcedente, necessita de ser devidamente fundamentado.

E, a nosso ver, ainda que de forma sucinta[13], foi-o.

No que a esse fundamento tange, o julgador começou por afirmar que o mesmo – impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação que à oponente é exigida na execução – não encontra apoio na factualidade alegada. O que, como acima se deixou demonstrado, constitui afirmação correcta e justificada.

Acrescentou ainda o julgador que o facto de a oponente não dispor de meios de subsistência – factualidade por ela alegada – não constitui fundamento para a oposição à execução, podendo apenas ser valorado em sede executiva no contexto do disposto pelo artº 824º do CPC, ou seja, aquando da realização da eventual penhora. Também esta afirmação nos parece não merecer qualquer censura.

Reconhecendo que à recorrente era lícito opor à exequente qualquer causa extintiva da obrigação, conforme estabelece o artº 814º, nº 1, al. g) e, sobretudo, o artº 816º, entende-se, contudo, como acima se deixou dito, que a factualidade alegada, ainda que viesse a ser provada, não conduziria á conclusão de que a obrigação se extinguira.

Repetindo-nos, temos como certo que soçobram todas as conclusões da alegação da recorrente, o que importa a improcedência da apelação e a manutenção da decisão sob recurso.


Cumprindo o disposto no artº 713º, nº 7, elabora-se o seguinte sumário:

I – A impossibilidade originária subjectiva da prestação é, de acordo com o preceituado pelo artigo 401º, nº 3 do Código Civil, irrelevante, não afectando a validade do negócio jurídico.

II – É manifestamente improcedente a oposição à execução em que a oponente alega factualidade tendente a demonstrar a sua impossibilidade originária subjectiva para cumprir a obrigação que assumiu ao avalizar as livranças apresentadas como títulos executivos.



***

3. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.

As custas são a cargo da recorrente.


Relator: Artur Dias;
Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira e Jorge Arcanjo


[1] Cfr. artigo 15º do articulado inicial da oposição.
[2] Na parte final do despacho alude-se ao artigo 817º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil mas, se bem vemos, houve lapso em tal alusão, pretendendo-se antes invocar o artigo 817º, nº 1, al. c) do Código referido.
[3] Cfr. artº 684º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil.
[4] Em que foi ordenada a notificação do requerido para os termos da causa e do recurso.
[5] Na versão aplicável, que é, no tocante à matéria de recursos, a conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08 e, no que respeita à matéria de processo executivo, a decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11. São desse diploma as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[6] É a própria recorrente que na parte expositiva da sua alegação a indica.
[7] Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 349.
[8] Nem, consequentemente, integra fundamento pertinente de oposição à execução (artºs 814º a 816º).
[9] Deixar prosseguir os autos para ser feita prova da factualidade alegada seria, nestas circunstâncias, permitir a prática de actos inúteis, o que, como resulta do artº 137º, não é lícito.
[10] Código Civil Anotado, volume II, 2ª edição, pág. 39.
[11] Em anotação ao artigo 790º, relativo à impossibilidade objectiva, ensinam os referidos Mestres: “Regula-se neste artigo e nos subsequentes o caso de a obrigação se tornar impossível, caso muito diferente de a obrigação ser já impossível no momento em que se constituiu. A impossibilidade originária tem como consequência a nulidade do negócio jurídico (arts. 280º d 401º), (…)”.
[12] Cfr. anterior nota 10.
[13] O Prof. Antunes Varela ensina, em Manual de Processo civil, 2ª edição, pág. 687, que “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, (…)”.


http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/9fe06b104229a5b38025791000542d13?OpenDocument

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