Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA, NULIDADE DE SENTENÇA, APRECIAÇÃO DA PROVA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 28-06-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
737/07.3PLLSB.L1-5
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
REABERTURA DE AUDIÊNCIA
NULIDADE DE SENTENÇA
APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIDA DA PENA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 28-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário: Iº O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº11/08, de 29Out.08, ao decidir pela perda de eficácia da prova produzida, visa apenas as situações de adiamento da audiência por mais de trinta dias e não também os casos de reabertura da audiência;
IIº Aquela jurisprudência, não é aplicável em caso de repetição parcial de prova oralmente produzida, devido a deficiente gravação que a torna imperceptível;
IIIº A regra de que, para a formação da convicção do tribunal, não valem as provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, não se aplica aos documentos e aos meios de obtenção de prova;
IVº Para que o depoimento de um ofendido possa ser considerado suficiente para o tribunal nele alicerçar a sua convicção, é fundamental que seja objectivo, consistente, lógico, coerente e não contrastante com meios de prova objectivos;
Vº Num crime de roubo, embora sendo modesto o valor subtraído, em caso de utilização de violência física de dimensão considerável, exercida sobre pessoa vulnerável, com manifestas dificuldades em defender-se, deve considerar-se que o grau de ilicitude se situa acima daquilo que é comum num roubo simples cometido na via pública;
VIº Para se considerar o agente socialmente integrado, não basta que o mesmo esteja empregado e tenha responsabilidades familiares, sendo exigível que seja cidadão responsável, cumpridor das suas obrigações e com uma conduta fiel ao direito;
VIIº Tendo o arguido praticado o crime de roubo simples no período de suspensão da execução de um pena de prisão, por crimes idênticos, situando-se os graus da ilicitude e culpa acima da mediania, a pena de dois anos de prisão não é censurável por excesso;
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 737/07.3 PLLSB, corre termos pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, A... foi submetido a julgamento, por tribunal colectivo, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de roubo.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, por acórdão de 07.01.2011 (fls. 334 e segs.), foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo simples previsto e punível pelo art.º 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão.
Inconformado, interpôs recurso do acórdão condenatório para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes (52!) “conclusões” (em transcrição integral):
1. Os depoimentos prestados pelas testemunhas T1..., T2... e T3... foram prestados na última em audiência de julgamento que decorreu no dia 16.09.2008, tendo sido ultrapassado o prazo previsto pelo 328.°/6 do CPP.
2. Uma vez que a reabertura da audiência de julgamento para repetição da declarações do arguido e dos depoimentos de C... e T4... ocorreu muito para além dos 30 dias após a última audiência, tal prova caducou, não tendo qualquer "virtualidade para fundamentar a convicção do julgador ou para produzir qualquer efeito processual" (Ac. STJ n.° 11/2008 de 11 de Dezembro).
3. Desde logo por este motivo, ao fundamentar-se numa prova ilegal, o Acórdão padece de uma nulidade prevista na alínea c) do art.° 379.° do CPP, configurando também uma nulidade prevista na alínea d) do n.°2 do art.°120.° do CPP e ainda uma nulidade prevista na alínea c) do n.°1 do art.° 668.° do CPC.
4. De qualquer modo, mesmo que não se entenda que os depoimentos das mencionadas testemunhas caducaram, sempre se dirá que nenhuma delas viu claramente o que se passou apenas identificando o arguido com base na roupa que vestia a qual nem sequer foi descrita de modo unânime por todas elas tal como resulta claro dos depoimentos prestados em 16.09.2008.
5. Os autos a fls.10 e 11 não foram objecto de exame na audiência de julgamento, pelo que não poderão enquadrar na previsão do n°2 do art.°355.° do CPP na medida em que para que a regra do número 1 possa ser afastada, a prova em questão deverá estar contida em acto processual que possa ser lido, visualizado ou ouvido em audiência de julgamento nos termos do art.°356.°, o que, salvo devido respeito não acontece, uma vez que o auto de notícia em questão contém declarações do Agente T4... o qual prestou depoimento enquanto testemunha em sede de julgamento. Uma vez que só será permitida a leitura em audiência de julgamento de autos que não contenham declarações de testemunhas, e uma vez que esse auto de apreensão contem declarações da testemunha T4…, não poderá o mesmo ser valorado como prova.
6. A apreensão das notas bem como o relatório clínico não foram analisados ou examinados em audiência de julgamento pelo que é proibida a sua valoração como prova.
7. A utilização na fundamentação da sentença das provas mencionadas em 5.° e 6.° determina a nulidade da mesma por força do disposto no art.°668.°Ilc) do CPC e ainda 379.°/l c) do CPP.
8. Restam como provas admissíveis os depoimentos do ofendido C... e do agente T4....
9. Estes depoimentos são manifestamente insuficientes para sustentar a condenação do arguido porquanto o depoimento do ofendido é extraordinariamente contraditório e lacunar e o depoimento do agente é indirecto na medida em que este não presenciou os factos imputados ao arguido.
10. A factualidade provada, salvo melhor opinião e sempre com o maior respeito, está em contradição com a prova produzida validamente, indicando-se de seguida quais os elementos de prova que impõe decisão divergente da que consta das fls.2, 3 e 4 do douto Acórdão em recurso.
11. Salvo melhor entendimento, da prova produzida não resulta provado que o arguido tenha abordado C... abrindo a porta da viatura junto do lugar que este ocupava quando, no prolongamento da Rua S… Lisboa pelas 21 h20 a mesma parou momentaneamente.
12. Impõem decisão nesse sentido o depoimento do ofendido C…, gravado em 17/12/2010 pelas 14:16 e de T4... gravado em 26/11/2010 pelas 09:42, na medida em que uma análise conjugada desses dois depoimentos permite constatar que não seria possível o arguido percorrer a distância entre a taberna sita na Rua G… e o local onde o ofendido foi atacado a tempo de praticar os factos que lhe são imputados em 20minutos, sobretudo se atentarmos que foi esse o tempo que o táxi levou a lá chegar.
13. Por outro lado o Acórdão reflecte essa contradição grave do depoimento do ofendido no parágrafo sétimo da folha 9 pelo que entrando a fundamentação em contradição com a decisão padece o mesmo de nulidade por força do disposto no art° 668.°11c) do CPC.
14. O Ofendido C... diz que o arguido se encontrava no "tasco" na Rua G… e que deixou o mesmo café cerca de 5, 6 ou 10 minutos antes do ofendido o ter feito:
- ao segundo 24:51 da faixa gravada 17-12-2010 às 14:26:
"Ofendido: Ele [o arguido] falou com o chauffer e depois o cheuffer veio para dentro e quando me avisa que, olhe temos de vir embora que já se está a fazer tarde, bebemos mais uns copos, estivemos ali mais um cinco ou seis minutos, ou dez minutos – não posso precisar - e depois é que arrancámos. Não foi logo a seguir e esse indivíduo que saiu com ele lá para fora já não estava lá [no tasco], já se tinha ido embora."

15. Disse ainda que alegadamente quando o arguido abriu a porta não estaria por perto nenhum veículo automóvel:
- Depoimento de C... gravado ao segundo 20:15 da faixa gravada 17-12-2010 às 14:26: "Da G... até lá a Chelas não chegou a 20mn"
16. Por outro lado, para abrir a porta do táxi em Chelas, já teria de se encontrar nesse local à chegada do táxi e teria de ter combinado previamente com o taxista o que é altamente improvável tendo em conta que o ofendido apanhou o táxi na Av. Afonso III, aleatoriamente, tendo sido ele a indicar o percurso sem que o taxista tivesse qualquer influência no mesmo.
17. Assim o arguido teria de se ter deslocado da R. G... até Chelas em menos de 25 minutos.
18. No seu depoimento gravado em 26/11/2010 pelas 09:42 a testemunha T4... diz:
- ao segundo 11:30 diz "Fui alertado por dois senhores também eles numa viatura e estava um cidadão, o arguido, no meio deles"
- Ao segundo 17:25 "Quanto tempo durou o percurso desde o arguido até ao ofendido? Resposta: Segundos!"
19. Daqui decorre que o arguido estaria a pé.
20. Assim, a versão contada pelo ofendido não corresponde à verdade dos factos desde logo porque seria impossível que o arguido, deslocando-se a pé desde a G... até Chelas demorasse apenas mais 5, 6 ou 10 minutos a fazer o mesmo percurso que o ofendido sendo que este se deslocava de táxi.
21. Fica por isso evidente que este ponto da matéria de facto não se deverá ter por provado, pois a dúvida evidente deve ser valorada a favor do arguido.
22. O depoimento do arguido impõe que não se tenha por provado o facto constante do ponto 2 da factualidade dada por provada, pois este refere expressamente ter sido o taxista que determinou que o ofendido saísse da viatura e não "a atitude do arguido".
23. Veja-se o depoimento de C... gravado na faixa registada em 17/12/2010 às 14:16 segundo 06:48:
- "Quando eu chego lá naquele descampado (...) o chauffer diz para mim assim: - Saia do carro."
24. Também este ponto não deveria ter-se por provado, impondo decisão nesse sentido o depoimento do ofendido C..., o depoimento de T4... e a ausência de qualquer prova inequívoca de que o arguido tenha retirado a carteira ao ofendido.
25. Do depoimento de T4... resulta que a carteira do ofendido se encontrava a seu lado:
Gravado na faixa de 26/11/2010 pelas 09:42 segundo 13:00 "Junto à vítima encontravam-se notas espalhadas, a sua carteira também...".
26. Ou seja, a carteira do ofendido nunca esteve com o arguido.
27. Por outro lado, o próprio ofendido diz não puder acusar o arguido de o ter roubado, no seu depoimento gravado na faixa de 17/12/2010 pelas 14:16:
- Ao segundo 10:45 da faixa gravada 17-12-2010 às 14:16 que o arguido "estava de volta da bolsa mas isso... ele não conseguiu....";
- Ao segundo 15:20 a Sr.a Procuradora pergunta: "Meteu a mão na bolsa, foi isso?" e o ofendido responde "Não isso não posso...."
- Ao segundo 26:05 é o ofendido questionado: "- O Sr. estava a dizer que não se lembrava, que não tinha bem a certeza se ele lhe tinha tirado o dinheiro, deduzia que sim... mas não tem a certeza de que tenha sido esta pessoa..."
-"Não! Não posso acusá-lo de que foi ele que me roubou!"

28. A testemunha T4... não presenciou o arguido a retirar a carteira ao ofendido.
29. Não há qualquer outra prova válida no processo que permita ao Tribunal, com a certeza que se exige, considerar provado o facto constante no ponto 4 pelo que não deverá este ser dado por provado.
30. O tribunal a quo não fundamenta a sua decisão ao dar por provado que o arguido retirou a importância monetária de €135.
31. Esta quantia terá sido apreendida ao arguido, no entanto não se demonstrou que a mesma pertencesse ao ofendido, desde logo porque nunca se chegou a apurar que quantia teria sido subtraída ao ofendido, nem mesmo que ao ofendido tenha sido retirada qualquer quantia. Neste sentido veja-se o depoimento de T4... gravado na faixa de 26/11/2010 pelas 09:42.
32. Ora, não se dando por provada qual a quantia que havia subtraída ao ofendido, como é que se poderá pretender provar inequivocamente que o montante que o arguido tinha consigo não pertencia mas sim ao ofendido?
33. Não há qualquer correspondência entre a quantia que faltaria ao ofendido e a quantia que à data da apreensão era detida pelo arguido, até porque não se provou qual o montante que o ofendido perdeu!
34. Impõem tal decisão o depoimento do ofendido C... gravado na faixa de 17/12/2010 — 14:16, não sendo consistente nas suas afirmações nem sequer quanto à quantia que havia levantado:
35. Se primeiro C... começa por dizer que tinha €200:,
Aos 15:52 segundos da faixa gravada 17-12-2010 às 14:26, em resposta à questão da Sr.a Procuradora:
"- Quanto é que tinha consigo quando foi o assalto?
- Havia de ter aí uns € 200.... faltavam-me aí uns cento e tal euros..."

Aos 16:16 segundos da mesma faixa a Sr.a Procuradora volta a perguntar: -"Faltavam-lhe cento e tal euros, é isso?"
E o ofendido responde:
-Faltavam. Mas talvez com aquilo que eu paguei no bar, a despesa da cerveja, esses cento e tal..."

36. Acaba por dizer que afinal tinha levantado €400 ou €350:
No entanto, ao segundo 27:39 da faixa gravada 17-12-2010 às 14:26, foi o ofendido questionado:
"P.... Não se lembra exactamente quanto dinheiro é que tinha levantado? C...: Não, não me lembro.
P...: Portanto não pode dizer com certeza quanto dinheiro é que tinha naquele dia.
C...: O extracto do multibanco...
P...: Sim, mas neste momento, o Sr. não consegue dizer quanto dinheiro é que tinha...
C...: Quando eu estou a gastar e estou numa festa não estou... mais cinco menos dez...
P...: Eu não estou a dizer o contrário, só lhe estou a fazer uma pergunta.
C...: Dos 400 e cinquenta dos trezentos euros que eu levantei...
P...: Quanto?
C...: Ou 400 ou 350... que eu levantei, ficou-me essa importância cento e tal, duzentos. Agora claro não vou...."

37. Tal incoerência decorre nítida da própria fundamentação do Acórdão bastando verificar o 3.° parágrafo a fls.5 versus 1.° parágrafo a fls.7 o que mais uma vez determina a nulidade do mesmo por força da alínea c) do n.°1 do art.°668.° do CPC.
38. Também no seu depoimento o ofendido nunca diz que o arguido lhe tenha retirado a carteira tendo apenas referido, tal como consta do 1.° parágrafo a fls.6 do douto Acórdão em apreço, que o arguido "procurou retirar o dinheiro que se encontrava dentro da bolsa que o depoente tinha à cintura" mas sem o conseguir porque a bolsa tinha um fecho.
39. Neste sentido veja-se o depoimento de C... já citado e transcrito atrás no artigo 25.° destas conclusões.
40. Mais uma vez, a fundamentação do Acórdão a fls.7 - 2° parágrafo – contradiz a decisão quanto à matéria dada por provada: neste parágrafo o tribunal a quo considera que o ofendido admitiu "que o dinheiro que veio a ser-lhe devolvido pela Polícia tenha sido por si perdido" o que é manifestamente inconciliável com a possibilidade de o dinheiro apreendido ao arguido ser pertença do ofendido.
41. Mais uma vez se impõe a declaração de nulidade deste Acórdão também com fundamento na alínea c) do n.°1 do art.°668.° CPC.
42. O facto assente no ponto 6 não deveria constar da matéria de facto provada pois baseia-se em documento clínico que não foi examinado nos autos.
43. Por este motivo, o douto Acórdão encontra-se em violação do art.°355.° do CPP uma vez que se funda em prova que não deve ser valorada, padecendo do vício de nulidade por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento (art.°379.°/1 c)) e ainda pelo facto da decisão estar em oposição com os demais fundamentos (art.°668.°/1c) CPC) para além de que o relatório clínico apenas demonstraria a existência de lesões físicas no ofendido nada relevando para a prova de quem as terá infligido.
44. Por outro lado o ofendido diz expressamente não ter sofrido qualquer lesão corporal para além de uma ferida no lábio:
- ao segundo 11:34 da faixa gravada 17-12-2010 às 14:16 o ofendido diz:
"tinha sangue nos lábios (...) não tinha negras e tinha aqui uma coisinha encarnada; quer dizer não estava grande... não me doía..."
45. Face à prova produzida validamente o ofendido não tinha qualquer traumatismo facial pelo que o ponto 6 da matéria provada deve merecer essa correcção.
46. Tudo quanto atrás se disse impõe necessariamente uma decisão diversa quanto a estes pontos de facto devendo a matéria deles constantes, por esses motivos, ser dada por não provada.
47. Pelo exposto, os elementos de prova sumariados no douto acórdão, não permitem dar como demonstrada sem margem para dúvidas a narrativa acusatória pelo que a condenação do arguido consistiria na violação manifesta do princípio do in dúbio pró réu e bem assim do disposto nas demais normas atrás invocadas.
48. Não obstante o que atrás se disse, no que não se concede, face ao grau de ilicitude e culpa revelados pelo arguido, bem como face às exigências de prevenção especial e geral, sempre se terá por excessiva a pena aplicada ao arguido, pelo que se requer a sua redução.
49. Os valores alegadamente roubados foram, ao que parece, recuperados para o ofendido.
50. Resulta também dos autos que o arguido não sofreu lesões de gravidade significativa.
51. O arguido apresenta hoje em dia um posto de trabalho regular não oferecendo perigo para a sociedade.
52. Por todo o exposto considera-se excessiva face ao grau de ilicitude e culpa revelados pelo arguido, bem como face às exigências de prevenção especial e geral, excessiva a pena aplicada pelo que se requer a sua redução.
Pretende, deste modo, o recorrente que o acórdão recorrido seja “declarado nulo por força das invocadas nulidades” e que, “dando-se por não provada a factualidade constante da acusação”, seja absolvido da prática do crime por que foi condenado.
*
Na 1.ª instância, o digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta, concluindo que o acórdão recorrido “não merece censura, pois fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou de forma adequada e criteriosa, não tendo incorrido em qualquer erro que invalide o decidido” e por isso deve ser mantido.
*
Na vista a que alude o art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, além de subscrever a resposta à motivação do recurso apresentada pela colega na 1.ª instância, aborda a “questão prévia” suscitada no recurso, salientando que “não houve reenvio, mas sim necessidade de suprimento de uma declarada nulidade/irregularidade”, e, quanto à valoração da prova, faz notar que não foi “processual e validamente posto em causa” aquilo que o tribunal deu como provado.
*
Cumprido que foi o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, veio o recorrente apresentar resposta ao parecer do Ministério Público, reafirmando os seus pontos de vista expressos na motivação do recurso.
*
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
Apelidando-a de “questão prévia”, o recorrente começa a motivação do seu recurso com a arguição de nulidades do acórdão (conclusões 1.ª a 7.ª).
Podendo as nulidades invocadas ter como consequência a anulação, total ou parcial, do acórdão recorrido, impõe-se começar por conhecer dessas questões.
Depois, o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, acusando o tribunal de ter errado na apreciação e valoração da prova, imputando-lhe a violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, mas continua a considerar que esses alegados erros afectam de nulidade o acórdão recorrido, invocando para tanto o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil.
Por último, o recorrente insurge-se contra a medida da pena aplicada, que considera excessiva.
Visto que são as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, e acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj), teremos de centrar a nossa atenção nas seguintes questões:
§ nulidades da sentença, por, alegadamente, se ter utilizado e valorado meios de prova ilegais e prova proibida;
§ erro na apreciação e valoração da prova, com violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo;
§ a medida da pena.

II – Fundamentação
Para uma correcta decisão, não só das questões colocadas à apreciação deste tribunal pelo recorrente, mas também de outras que se imponha conhecer, por serem de conhecimento oficioso, é fundamental conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida, pelo que aqui se reproduzem (ipsis verbis) os factos que o tribunal recorrido deu como provados e não provados:
Factos provados
1. Em 30/3/07, pelas 21h20m, no prolongamento da Rua S…, em Lisboa, o arguido abordou C..., que se encontrava sentado no banco traseiro de um veículo de táxi em que se fazia transportar e que estava momentaneamente parado, e abriu a porta da viatura, junto do lugar que C... ocupava.

2. Perante a atitude do arguido, C... aprestou-se a sair da viatura.

3. Quando estava a fazê-lo, o condutor do táxi efectuou uma marcha atrás, o que fez com que C... tivesse perdido o equilíbrio e caído no solo, na via pública.

4. Então, o arguido lançou-se sobre C... e tentou tapar-lhe a boca, tendo-lhe retirado a carteira que ele trazia consigo.

5. Do interior da carteira de C... o arguido retirou a importância monetária de 135 euros, que guardou para si, e colocou-se em fuga.

6. Em consequência da descrita actuação do arguido, C... sofreu traumatismo facial e feridas incisas contusas do lábio inferior.

7. O arguido agiu com o propósito concretizado de fazer sua a quantia monetária a que deitou a mão, sabendo que a mesma lhe não pertencia e que, ao fazê-lo, actuava contra a vontade do respectivo dono.

8. Para concretizar tal intento, o arguido utilizou a força física contra C... e atentou contra a integridade corporal deste.

9. O arguido actuou voluntária e conscientemente, sabendo que a sua descrita conduta lhe era proibida por lei.

10. O dinheiro a que o arguido deitou a mão veio a ser apreendido, depois de o arguido ter sido interceptado por populares e entregue a um agente policial.

11. O arguido tem os antecedentes criminais inscritos no seu Certificado de Registo Criminal junto a fls. 133 a 135, cujo teor se dá por reproduzido.

12. O arguido trabalha como trabalhador polivalente para uma empresa denominada «...» de construção civil para a Câmara Municipal de Lisboa, auferindo por mês entre 400 e 500 euros.

13. Tem um filho com 15 anos de idade, que vive com os avós e está consigo aos fins de semana, contribuindo o arguido para o seu sustento e educação, mas não com uma quantia fixa.

14. Possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.

Factos não provados
a) O arguido utilizou uma pedra para desferir golpes no corpo de C....
b) O arguido desferiu socos na face de C....
*
A arguida nulidade do acórdão
O recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, aduzindo, para tanto, os seguintes fundamentos:
§ o tribunal fundamentou a decisão sobre matéria de facto, além do mais, nos depoimentos das testemunhas T1..., T2... e T3..., prestados na última sessão da audiência que decorreu no dia 16.09.2008, e, tendo havido reabertura da audiência para se repetir prova pessoal – declarações do arguido e depoimentos das testemunhas C... e T4... -, esta ocorreu muito para além dos 30 dias previstos no art.º 328.°, n.º 6, do Cód. Proc. Penal, pelo que a prova anteriormente produzida caducou, não tendo qualquer "virtualidade para fundamentar a convicção do julgador ou para produzir qualquer efeito processual" (Ac. STJ n.° 11/2008 de 11 de Dezembro;
§ também utilizados pelo tribunal para fundamentar a decisão de facto, foram os autos de fls. 10 e 11 e a apreensão das notas (do BCE) e o relatório clínico, documentos que, no entanto, não foram examinados em audiência e por isso não podiam ser valorados pelo tribunal.
Antes de mais, importa deixar claro que, contendo o Código de Processo Penal um regime de nulidades dos actos processuais (artigos 118.º a 122.º), e, em particular, de nulidades da sentença (art.º 379.º), e bem assim um regime jurídico de proibições de prova (art.º 126.º), não tem qualquer justificação o recurso ao Código de Processo Civil para determinar se e quando um acto do processo penal está afectado do vício da nulidade.
Por outro lado, convém esclarecer que o aresto citado pelo recorrente é um acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ), mas, embora tenha resolvido divergência jurisprudencial sobre a questão da perda de eficácia da produção de prova em audiência, a situação sobre que versa não é idêntica à que aqui se discute, se bem que tenha sido citado no despacho (que veio a ser revogado por esta Relação), a que já aludiremos.
A interpretação e o âmbito de aplicação da norma do n.º 6 do art.º 328.º tem suscitado controvérsia e aquele AUJ reflecte, apenas, em parte as divergências que têm surgido na jurisprudência.
O cerne da dissenção está, não só em saber se ainda se justifica aquela consequência (a perda de eficácia da produção de prova - da prova oralmente produzida com sujeição ao princípio da imediação), dado que, actualmente, ela é documentada através de gravação magnetofónica, mas também em determinar quais as situações em que tal poderá ocorrer.
O AUJ n.º 11/2008, de 29.10.2008 (DR, I, 11.12.2008), fixou a seguinte jurisprudência:
“Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação;
Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”.
Considerou-se, na esteira do Professor Figueiredo Dias, que o princípio da oralidade e, sobretudo, o da imediação – princípios fundamentais do processo penal - reclamam uma audiência unitária e continuada em que tenha lugar “a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo” e daí a sua estreita conexão com o princípio da concentração, cuja dimensão temporal de continuidade da audiência está consagrada no citado art.º 328.º do CPP.
Sucessivas interrupções da produção de prova, e, especialmente, interrupções por períodos longos, prejudicariam a imediação e a descoberta da verdade porque impossibilitariam “a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado de toda a prova”, sendo o prazo-limite de 30 dias aquele que o legislador considerou o “espaço temporal dentro do qual permanecem as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova”.
Cabe aqui salientar que foi rejeitada a tese, mais radical, da perda de eficácia de toda a prova produzida, circunscrevendo esta consequência à chamada prova pessoal (declarações do arguido, do assistente e das partes civis, prova testemunhal, esclarecimentos dos peritos e dos consultores técnicos), em sintonia com a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 827) que entende que a ratio do preceito não impõe a repetição da discussão e do exame de meios de prova como os documentos e de meios de obtenção de prova como as escutas telefónicas, bem como declarações relativas a actos processuais realizados antes da audiência.
A consistência dos fundamentos (uma presunção implícita de que o decurso do prazo de 30 dias apagará da memória do julgador os pormenores do julgamento, prejudicando desse modo a base da decisão factual) da posição vencedora[1] fica seriamente abalada se pensarmos naqueles casos em que, sem se ultrapassar o prazo-limite de 30 dias entre duas sessões, a audiência se prolonga por vários meses, e até anos, como acontece no julgamento dos casos de especial complexidade. Quando chega ao fim a audiência, dificilmente os juízes (tal como os advogados e o representante do Ministério Público) terão uma percepção exacta do que se passou no seu início, designadamente o que disseram os arguidos que decidiram prestar declarações e os depoimentos das primeiras testemunhas, e é quase inevitável o recurso à gravação para relembrar essas declarações.
Mas não é a crítica (que, além de deslocada, seria uma ousadia) do referido AUJ que aqui pretendemos fazer. Move-nos o propósito de perscrutar no caso dos autos alguma afinidade com a situação tratada naquele aresto.
No processo comum, a fase de julgamento (a que o Código de Processo Penal dedica o seu Livro VII – artigos 311.º e seguintes), além dos actos preliminares, comporta duas “sub-fases”: a audiência e a sentença[2]. Como elucida José António Barreiros (“Manual de Processo Penal”, edição da Universidade Lusíada, 1989, pág. 459) “julgamento e audiência de julgamento são, à face do novo Código, termos que perderam a incindibilidade que os caracterizava no Direito anterior, onde a expressão audiência de julgamento denominava a totalidade da fase que presentemente o legislador do novo Código entendeu que ficava melhor caracterizado sob o nome de julgamento, compreendendo duas sub-fases: a audiência propriamente dita e a sentença”[3].
Resulta, claramente, da lei que, sendo a leitura da sentença um acto que faz parte da fase de julgamento, é um acto que já não integra a audiência.
Por isso, não é aplicável a norma do n.º 6 do art.º 328.º (que encerra o Capítulo I do Título II que trata, precisamente, da audiência), cujo âmbito de aplicação se circunscreve à sub-fase da audiência, e portanto, se a leitura da sentença se realizar decorridos que sejam mais de 30 dias após o enceramento da audiência de discussão, não perde eficácia a prova produzida[4]. É esta a orientação jurisprudencial claramente dominante, de que destacamos o acórdão desta Relação, de 05.12.2002 (C.J. XXVII, Tomo V, 141)[5], no qual se sublinha que “num processo de grande dificuldade e dimensão em que a própria deliberação se arrasta por vários dias e a elaboração da sentença seja morosa e complexa (o que não é raro, hoje em dia) estaria aberta a porta para as maiores injustiças”, a sufragar-se a tese contrária.
Como decorre da simples leitura do art.º 328.º, a lei só admite duas excepções à regra da continuidade da audiência que se iniciou: as interrupções (necessariamente por curtos períodos) para satisfação das necessidades básicas dos participantes (de alimentação, repouso, etc.) e os adiamentos provocados por obstáculos (necessidade de ouvir pessoas que não estavam convocadas para a audiência ou de produzir qualquer outro meio de prova superveniente e indisponível no momento, necessidade de solicitar a elaboração de relatório social, necessidade de substituir o defensor, pedindo o novo defensor prazo para preparar a defesa, etc.) que surjam no decurso da audiência e não seja possível remover com a interrupção. Quando se impõe o adiamento, a audiência terá mais que uma sessão. Os intervalos entre as várias sessões da audiência não podem ir além de 30 dias. Se for excedido esse prazo, e só nesse caso, perde eficácia a produção de prova até então realizada.
Não foi o que aconteceu neste processo.
Num primeiro momento, realizou-se a audiência, com uma só sessão, e, finda a produção de prova, efectuadas as alegações orais e dada ao arguido a oportunidade para fazer as últimas declarações, foi designada data para a leitura do acórdão, após o que foi declarada encerrada a audiência, como determina o n.º 2 do art.º 361.º do Cód. Proc. Penal (cfr. acta a fls. 158-160).
Sucede que, após deliberação, o Colectivo entendeu estarem provados factos que não constavam da narração feita na acusação e que tais factos não constituíam alteração substancial, mas tão só alteração não substancial da acusação, pelo que foi declarada reaberta a audiência e cumprido o disposto no art.º 358.º do Cód. Proc. Penal, após o que, em 21.10.2008, foi proferido acórdão condenatório.
Entre a data em que foi encerrada a audiência (16.09.2008) e a data em que foi lido o acórdão (21.10.2008), decorreram mais de 30 dias, mas o tribunal não considerou que tivesse havido perda de eficácia da prova produzida. E andou bem, pois não houve adiamento da audiência.
No entanto, também tem sido discutido (e os tribunais superiores são, frequentemente, confrontados com essa questão) se perde eficácia a produção de prova em situações que se situam fora da previsão da norma em causa (n.º 6 do art.º 328.º).
Podemos agrupá-las assim: casos de reabertura da audiência e os casos de anulação da sentença.
A nulidade da sentença é coisa distinta da nulidade do julgamento. A anulação do julgamento implica a anulação da sentença proferida, mas esta pode ser anulada sem que o seja o julgamento. Basta, para tanto, que ocorra alguma das situações previstas no art.º 379.º do Cód. Proc. Penal.
Anulada uma sentença, o tribunal a quo tem de elaborar nova sentença (naturalmente sem os vícios que determinaram a sua anulação) e, salvo excepções que adiante mencionaremos, nem sequer tem que reabrir a audiência.
Pode considerar-se pacífico o entendimento de que, nesta situação, não perde eficácia a produção de prova, mesmo que a nova sentença seja proferida (e, inevitavelmente, sê-lo-á) muito depois de ultrapassado o prazo de 30 dias desde a última sessão da audiência (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário…”, cit., 827, nota 9 e jurisprudência aí indicada).
Os casos em que há reabertura da audiência são, nomeadamente, os seguintes:
§ anulação de sentença por, tendo ocorrido alteração (substancial ou não substancial) dos factos, não ter sido cumprido o disposto nos artigos 358.º e 359.º do Cód. Proc. Penal;
§ reenvio do processo para novo julgamento em virtude da verificação de algum ou alguns dos vícios do n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal;
§ necessidade de repetição de prova oralmente produzida, devido, nomeadamente, a deficiente gravação que a torna imperceptível;
§ necessidade de produção de prova suplementar para a determinação da sanção;
Na primeira situação, já vimos que o entendimento correcto é o de que não há perda de eficácia da prova produzida.
No caso de reenvio, importa ter em consideração que, se o novo julgamento é em relação a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, transita em julgado a decisão do tribunal superior relativamente à restante matéria (Paulo Pinto de Albuquerque, ”Comentário….”, 1163). Ou seja, se o tribunal de recurso decide que, apenas, se verifica contradição insanável da fundamentação em relação a determinados factos e por isso ordena o reenvio, mas apenas para que o tribunal inferior resolva essa contradição, ocorre trânsito em julgado (que aquele autor denomina de “trânsito progressivo”) relativamente à decisão da restante matéria de facto.
Nessa situação, não faz qualquer sentido falar em perda da eficácia da prova produzida relativamente aos factos definitivamente assentes.
Se a ordem de reenvio é em relação à totalidade do objecto do processo, também é de primeira evidência que terá de repetir-se a produção de prova, até porque, em princípio, não serão os mesmos juízes a realizar o julgamento.
Detenhamo-nos agora na hipótese de necessidade de repetição de prova oralmente produzida - que é o caso dos autos - devido, nomeadamente, a deficiente gravação que a torna imperceptível.
O recorrente, considerando que a reabertura da audiência para repetição das suas declarações e dos depoimentos de C... e T4... ocorreu “muito para além dos 30 dias após a última audiência”, afirma que caducou toda a prova anteriormente produzida, designadamente os depoimentos prestados pelas testemunhas T1..., T2... e T3..., que, assim, não podiam servir para fundamentar a convicção do tribunal.
Porque assim não se entendeu, foi valorada prova ilegal e por isso o acórdão recorrido estaria ferido da nulidade prevista na alínea c) do art.° 379.° do Cód. Proc. Penal (e também na alínea d) do n.° 2 do art.° 120.° do CPP e, ainda, na alínea c) do n.° 1 do art.° 668.° do Cód. Proc. Civil).
O recorrente recupera, assim, a posição expressa pelo Sr. Juiz do tribunal a quo no despacho proferido a fls. 242-246 em que determinou a repetição de todos os actos de produção de prova pessoal.
Importa recordar aqui o sentido dessa decisão e respectivos fundamentos até porque ela foi objecto de recurso interposto pelo Ministério Público e foi revogada por acórdão de 21.05.2010 (fls. 63 e segs. do apenso).
O Sr. Juiz, tendo verificado que as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos das testemunhas C... e T4... eram imperceptíveis na gravação efectuada, e considerando que essa deficiência da gravação equivalia a falta de documentação, declarou a nulidade desses depoimentos e das declarações e determinou a sua repetição.
Mas não só!
Considerando caducada toda a prova pessoal produzida em audiência, determinou a repetição dos actos de produção de prova, incluindo os depoimentos não afectados pelas deficiências da gravação, ou seja, entendeu que se impunha um novo julgamento.
Isto porque “a última sessão de julgamento teve lugar em 21/10/08, quando foi efectuada a leitura do acórdão, mostrando-se decorridos muito mais de 30 dias sobre essa data, o que acarretou a caducidade de toda a prova pessoal produzida em audiência, independentemente do seu registo, nos termos do art. 328º n º 6 do CPP, na interpretação fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções Criminais do SJ de 29/10/08”.
O Ministério Público não aceitou este entendimento (“à correcção de irregularidades detectadas após a leitura e depósito do acórdão condenatório não se aplica o disposto no douto acórdão de fixação de jurisprudência de 29.10.2008, já que este apenas dispõe para os casos de adiamento de audiência e não para os casos de eventuais correcções que hajam de ser feitas, finda a audiência”, diz-se, com manifesto asserto, na motivação do recurso) e defendeu que se impunha, apenas, a repetição dos depoimentos afectados pelas deficiências da gravação.
Pelo já referido acórdão de 26.05.2010, este Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso, ordenando a “repetição da prestação da prova afectada pela deficiência da gravação”, considerando que esta repetição “é enquadrável no regime geral da sanção das irregularidades – artigo 123º do CPP – na medida em que a lei processual não prevê expressamente tal falha como nulidade, em obediência ao princípio da legalidade ínsito no artigo 118º do CPP”[6].
Afigura-se-nos, por isso, que a questão, de novo, suscitada em sede de recurso já foi decidida e a decisão transitou em julgado.
Ainda assim, não podemos ignorar o facto de que a tese defendida pelo recorrente tem apoio em alguma jurisprudência, de que destacamos o recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27.04.2011 (disponível em www.dgsi.pt/jtrc; Relatora: Des. Elisa Sales) em que se decidiu que, apesar de alguns depoimentos serem perceptíveis, “mostrando-se excedido o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 328º do CPP, deverá proceder-se a novo julgamento”.
Da mesma Relação (e com a mesma relatora), no acórdão de 04.11.2009 (também disponível em www.dgsi.pt/jtrc) considerou-se que “o termo «adiamento» do nº 6 do art.º 328º do CPP é utilizado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico e a interrupção. Tendo-se verificado que os depoimentos de algumas testemunhas não ficaram registados ou continham deficiências de gravação e tendo sido ultrapassado o limite temporal o nº 6 do artº 328º do CPP toda a anterior prova perde a eficácia”[7].
Esta jurisprudência invoca, em abono, o AUJ n.º 11/2008, mas em vão, pois, como já se salientou, o aresto uniformizador visa, apenas, as situações de adiamento, e não também os casos de reabertura, da audiência.
Adiamento só existe quando, iniciada a audiência, ela não pode concluir-se no mesmo dia nem continuar no dia útil imediatamente posterior, ou seja, quando não seja possível ultrapassar, com a simples interrupção, o obstáculo que impede a sua conclusão.
Como é bom de ver, o adiamento supõe que a audiência está a decorrer, que ainda há alguém para ouvir, que ainda não foi encerrada a discussão da causa, o que acontecerá depois de ser dada ao arguido a oportunidade de fazer as últimas declarações em sua defesa (n.º 2 do art.º 361.º do Cód. Proc. Penal).
Se entre o momento em que foi adiada e aquele em que foi retomada a audiência, isto é, se o intervalo entre as duas sessões da audiência ultrapassar os 30 dias, perde eficácia a prova já produzida, mesmo que essa prova esteja documentada.
É este o sentido do AUJ n.º 11/2008 e dele não pode fazer-se qualquer extrapolação para abranger outras situações, nomeadamente para os casos de reabertura da audiência para repetir depoimentos deficientemente gravados ou para produção de prova suplementar.
Depois de encerrada, é de primeira evidência que já não pode haver adiamento da audiência.
A audiência que foi adiada, retoma-se (2.ª parte do n.º 6 do art.º 328.º), a que foi encerrada reabre-se (artigos 371.º e 371.º-A).
Não estando, como manifestamente não está, contemplada, no n.º 6 do art.º 328.º do Cód. Proc. Penal, a reabertura da audiência, só invocando a analogia das situações se poderia defender a aplicação daquela norma para considerar que, também no caso de reabertura, sendo ultrapassado o limite dos 30 dias, perde eficácia a prova produzida.
No entanto, nada permite afirmar que estamos perante uma lacuna que careça de ser preenchida. Aliás, na fundamentação do referido AUJ, arreda-se “a possibilidade de uma analogia proibida por situada à margem do princípio da legalidade”, pois que “também no domínio do direito processual penal, onde se movem e ganham expressão direitos fundamentais, não é admissível a injunção de regras que não se encontrem ancoradas na letra da lei. É uma imposição do princípio da legalidade e, necessariamente, da certeza e segurança da lei com directa impostação constitucional e característica do Estado de Direito”.
Como já se admitiu, uma deficiente documentação da prova oralmente produzida na audiência, de tal modo que a torne imperceptível, constitui uma nulidade dependente de arguição. Mas a deficiente gravação de um ou alguns dos depoimentos não contamina, necessariamente, toda a produção de prova.
Nesse sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque (no “Comentário…”, 923) ao afirmar que “a nulidade pode ser parcial se for omitida a documentação de parte da prova produzida na audiência ou se a documentação deficiente disser respeito a parte da prova produzida na audiência. Em qualquer destes casos, a repetição da produção da prova só tem lugar em relação à parte omitida ou deficientemente documentada, por força do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais inválidos (artigo 122.º, n.º 1). Contudo, esta repetição parcial da prova só tem lugar se se mantiver o juiz que proferiu a anterior sentença. Caso contrário, deve proceder-se à repetição total da prova em novo julgamento”.
Neste caso, a repetição parcial da prova (aliás, em cumprimento de uma decisão desta Relação) foi realizada no mesmo tribunal e perante os mesmos juízes e por isso não se vislumbra qualquer razão para não ser valorada toda a prova oralmente produzida na audiência, contrariamente ao que é pretendido pelo recorrente.
*
Na perspectiva do recorrente, nulo seria, ainda, o acórdão recorrido porque o tribunal se baseou, para fundamentar a decisão de facto, em documentos (o auto de fls. 10 e 11 e a apreensão das notas do BCE e o relatório clínico) que, no entanto, não foram examinados em audiência e por isso não podiam ser valorados pelo tribunal.
Não se justifica que nos demoremos na análise desta questão, pois que está sedimentada uma orientação uniforme da jurisprudência no sentido de que a regra de que, para a formação da convicção do tribunal, não valem as provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência não se aplica aos documentos e aos meios de obtenção de prova.
Aliás, como bem salienta o Ministério Público na sua resposta, o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 127.º, 355.º e 165.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, segundo a qual a formação da convicção com documentos juntos com a acusação, constantes dos autos, mas não lidos nem explicados na audiência, não viola o princípio do contraditório, quer na modalidade do princípio da oralidade, quer da imediação (cfr., em anotação concordante, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário….”, 891). E assim é porque “tratando-se de documentos que foram juntos com a acusação e depois se mantiveram durante a instrução e acompanharam a pronúncia do arguido, teve este todas as possibilidades de os questionar, podendo ainda, na própria audiência, provocar a sua reapreciação individualizada para esclarecer qualquer ponto da sua defesa relativamente à qual entendesse que isso seria necessário e, assim, pedir a leitura de qualquer desses documentos” (acórdão do TC n.º 87/99, DR , II, de 01.07.1999).
É nesta linha que se situa o acórdão desta Relação, de 24.10.2007 (disponível em www.dgsi.pt; Relator: Des. Rodrigues Simão), que, a propósito da prova documental obtida através de escutas telefónicas, considerou não ser exigível “a leitura e discussão em audiência da prova documental existente no processo, desde que essa leitura não seja aí proibida, pois a sua simples inserção nos autos permite o funcionamento do contraditório, uma vez que os sujeitos processuais podem livre e responsavelmente proceder à discussão dessa prova antes ou durante a audiência, desde que assim o desejem” (assim, também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.11.2008, www.dgsi.pt; Relatora: Des. Maria do Carmo Silva Dias, em que se afirma que “a validade em julgamento da prova obtida através de escutas telefónicas não depende da leitura e exame em audiência das respectivas transcrições”, e o acórdão do STJ de 25.02.2007; www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Rodrigues da Costa, em cujo sumário se pode ler que o STJ tem seguido o entendimento de que “as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência, sendo que essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da acta”).
Mas se é a propósito das provas obtidas através das intercepções telefónicas que esta questão tem sido mais frequentemente analisada e resolvida pelos tribunais superiores, a resposta tem sido a mesma quando estão em causa documentos com outra origem.
Assim, os acórdãos do STJ de 01.06.1993, em que se decidiu que não viola o disposto no art.º 355.º do Cód. Proc. Penal a circunstância de o tribunal valorar documentos juntos aos autos e neles fundamentar a decisão “sem ter procedido à sua leitura em audiência”, de 29.09.1993 (“os documentos constantes do processo consideram-se produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, desde que se trate de casos em que tal leitura não seja proibida”), de 10.07.1996 (“a lei processual não obriga a que a acta da audiência faça menção especificada à produção e exame da prova documental existente no processo”), de 15.11.1995 (“o exame das provas documentais não impõe a necessidade da leitura em audiência”), de 25.02.1993 (este com um voto de vencido) e da Relação de Lisboa de 26.09.2006 (“o julgamento implica as obrigações de examinar e atender, em harmonia com a lei, a todas as provas existentes no processo, sem necessidade da sua leitura pública, apenas exigível para os depoimentos ou declarações de intervenientes reduzidas a escrito”), da Relação de Coimbra, de 28.04.2010 (“é permitida, mas não obrigatória, a leitura de documentos ou de prova pericial junta aos autos e que, independentemente dessa leitura, tais provas têm valor em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal”), da Relação do Porto, de 30.03.2011 (“não constitui valoração proibida de prova a formação da convicção com documentos juntos aos autos mas que não foram lidos nem explicados em audiência”) e da Relação de Évora, de 09.03.2004 (“é jurisprudência pacífica do STJ que os documentos que se encontram juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento e consideram-se “examinados” e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta. Estando os documentos juntos ao processo e neles se alicerçando a acusação, óbvio é que não podia a arguida razoavelmente alhear-se do que deles constava e dispensar-se de contrariar a prova que contra si deles pudesse resultar”)[8].
Também no processo penal existem provas pré-constituídas (de que são exemplo típico os documentos) e provas constituendas, ou seja, as que se formam só depois de nascida em juízo a necessidade de demonstrar a realidade do facto (de que a prova testemunhal e a pericial são exemplos característicos).
Tal como acontece no processo civil declarativo, em que o autor tem de apresentar com o articulado inicial os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos de facto da acção e o réu, na contestação que apresente, deve pronunciar-se sobre eles e, se for caso disso, impugná-los e contraditá-los, (artigo 523.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), também no processo penal o Ministério Público e/ou o assistente têm de indicar na acusação (sob pena de nulidade) as provas, quer as pré-constituídas, quer as constituendas (artigos 283.º, n.º 3, e 284.º do Cód. Proc. Penal), e o arguido, seja no requerimento de abertura de instrução, seja na contestação, tem a oportunidade de, logo aí, se pronunciar sobre as primeiras.
A ideia comum a todas as citadas decisões judiciais é esta: se, na acusação (ou na pronúncia, havendo-a), é indicada uma prova pré-constituída (um documento ou um objecto que foi apreendido) e o arguido pôde examiná-la e impugná-la, ou seja, pôde exercer o contraditório, nada impede que seja valorada pelo tribunal, mesmo que não lhe tenha sido feita qualquer referência na audiência.
O princípio do contraditório, com assento no art.º 32.º, n.º 5, da CRP, é elemento integrante do direito a um processo equitativo e, na sua essência, é concebido como um direito de audiência, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação.
No que, especificamente, respeita à produção de prova, o princípio exige que ela seja, por regra, produzida perante o arguido, em audiência pública e segundo um procedimento adversarial, mas o princípio comporta excepções, sob reserva de protecção dos direitos de defesa.
Vertendo ao caso concreto, importa assinalar que o auto de fls. 10 e 11, cuja valoração pelo tribunal o recorrente põe em causa, mais não é do que a formalização ou documentação (cfr. art.º 99.º do Cód. Proc. Penal) de uma apreensão. Apreensão que não é um meio de prova, mas sim um meio de obtenção de prova. Meio de prova será o objecto apreendido, que no caso são notas do BCE, que foram subtraídas ao ofendido C....
Não se entende o motivo por que as notas apreendidas não se encontram nos autos (de acordo com fls. 40 e 41 dos autos, foram depositadas na Caixa Geral de Depósitos, mas podiam ter sido extraídas cópias e juntas ao processo), pois são um importante elemento de prova. No entanto, o que o tribunal valorou foi, principalmente, o depoimento da testemunha T4…, que relatou as circunstâncias em que interveio e procedeu à apreensão das notas do BCE.
Quanto ao documento clínico, tendo sido indicado na acusação como meio de prova, o recorrente teve oportunidade de o examinar, impugnar ou questionar o seu valor probatório. Se não o fez foi porque não quis ou porque não tinha motivos para tanto. Por isso não havia rigorosamente nada que impedisse a sua valoração, como meio de prova, pelo tribunal a quo.
Fica, assim, cabalmente (cremos nós) demonstrada a falta de fundamento da arguição de nulidade do acórdão recorrido.

O alegado erro na apreciação da prova - violação dos princípios da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”?
Entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio basilar da presunção de inocência, de que o “in dubio pro reo” é uma das suas várias dimensões, existe uma estreita conexão.
O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova[9] [10].
Como bem faz notar Cristina Líbano Monteiro (“Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1997, pág. 53), o princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “in dubio pro reo” o seu limite normativo e “livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca de razoabilidade ou da racionalidade objectiva”[11].
O princípio do “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos[12], ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade[13].
Assim, um primeiro aspecto cumpre realçar: o in dubio pro reo só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa.
O segundo aspecto a assinalar é o de que não é qualquer dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”. Tem de ser uma dúvida razoável, que impeça a convicção do tribunal.
Não é razoável, porque meramente subjectiva, a dúvida que brota como efeito de uma consciência indefinidamente hesitante ou exasperadamente escrupulosa, ou até de um deficiente estudo do material probatório.
O terceiro ponto que se nos afigura curial aqui pôr em relevo é o seguinte: não se trata aqui de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória, e não tendo esse juízo factual por fundamento uma inversão do ónus da prova[14] (inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência), antes resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República), fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência (acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj).
Por último, tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, a eventual violação do princípio em causa deve resultar, claramente, do texto da decisão recorrida, ou seja, quando se puder constatar que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que há-de decorrer, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto[15].
Como se pode constatar pela leitura da respectiva motivação, o tribunal a quo baseou a sua decisão em prova testemunhal (depoimento das testemunhas C..., o ofendido, T4…, agente da PSP, T1..., T2… e T3...) e documental (essencialmente, o já referido documento clínico e o auto de fls. 10-11, que, como referimos, formaliza a apreensão ao arguido das notas do BCE).
Depois de resumir o essencial do que relatou cada uma das referidas testemunhas, o tribunal a quo fez a seguinte análise crítica da prova:
“Embora caracterizado pela sinceridade e espontaneidade, o depoimento testemunhal do ofendido C... mostra-se falho de objectividade e precisão, sendo, por isso, em diversos aspectos claudicante o seu poder de convicção.
Acresce que o relato feito pelo ofendido pressupõe a existência de um acordo de vontades e de uma actuação concertada entre o arguido e o motorista do táxi em que o primeiro se fez transportar, hipótese que se apresenta algo problemática, atento que o ofendido não combinou a viagem previamente com o taxista e que tomou o táxi aleatoriamente na via pública.
Também não ficou claro, no quadro da versão factual sustentada pela testemunha C..., como é que o arguido terá conseguido percorrer a distância entre a taberna sita na Rua G… e o local descampado sito em Chelas, onde o ofendido foi atacado, a tempo de praticar os factos que lhe são imputados.
Ainda sim, apesar das evidentes fragilidades do depoimento do ofendido, os elementos de prova agora sumariados, em conjugação com a prova material decorrente da apreensão da quantia de 135 euros ao arguido, permitem dar como demonstrada, sem margem para dúvidas, uma sequência factual que adere à narrativa acusatória, com as alterações que lhe foram introduzidas durante a audiência de julgamento, excepcionando-se a utilização pelo arguido de uma pedra para atingir o ofendido, a qual não foi referida por qualquer das testemunhas ouvidas, e o facto de o arguido ter atingido o ofendido com socos na cara, que o segundo não garantiu ter acontecido.
De todo o modo, o esforço que o arguido fez para tapar a boca ao ofendido, referido no depoimento deste, é idóneo, por si só, a provocar as lesões descritas no documento clínico acima identificado e que o ofendido apresentava.
As contradições detectadas entre alguns dos depoimentos testemunhais produzidos não são de molde a minar a sua credibilidade e antes são reveladoras da espontaneidade e sinceridade desses testemunhos”.
Decorre do acórdão recorrido, em particular do trecho da fundamentação que se transcreveu, que o tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto à decisão sobre a matéria de facto e expôs, de forma cristalina e perfeitamente perceptível para quem a leia, as razões da sua firme convicção.
Entende o recorrente que, face à prova produzida, o tribunal devia ter ficado, pelo menos, com dúvidas e dado como não provado que foi ele quem roubou o ofendido (roubo cuja verificação não põe em causa), atento o aludido princípio in dubio pro reo, que considera ter sido violado.
No entanto, as dúvidas e a opinião do recorrente, por muito respeitáveis que sejam, para o que aqui importa, são irrelevantes.
Como resulta bem claro do texto da decisão recorrida, o tribunal não teve quaisquer dúvidas de que os factos aconteceram, no essencial, como as testemunhas os narraram, e explicou como adquiriu essa convicção: se o depoimento de C... foi “falho de objectividade e precisão”, o tribunal também não teve dúvidas em considerar o depoimento do ofendido sincero e espontâneo, corroborando-o outra prova pessoal (os depoimentos das referidas testemunhas) e prova material (decorrente da apreensão efectuada).
Nada há a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção.
O recorrente confunde aquilo que não deve ser confundido: a questão da convicção (e o grau exigível para ser tomada uma determinada decisão) e a suficiência da fundamentação dessa convicção.
Como se escreveu no acórdão do STJ, de 02.04.2003[16], Processo n.º 4194/02-3: “Não há que confundir fundamentação das decisões judiciais com formação da convicção do tribunal. O dever de fundamentação cumpre-se quando é possível conhecer e compreender o itinerário cognoscitivo do tribunal, assim acontecendo quando este, ao justificar o convencimento a que chegou, valora e aprecia os depoimentos das testemunhas, justifica e avalia a sua razão de ciência, indica os factos donde ela derivou e enumera os elementos de prova de que se socorreu, sendo por isso susceptível de controlo por via de recurso. O processo de formação da convicção é, ao invés, o acto livre do órgão judiciário, embora necessariamente apoiado em dados concretos e na experiência comum, sendo, como tal, insindicável em termos recursórios”.
Neste caso, foi sólida a convicção do tribunal, não o assaltou a dúvida quanto à actuação do recorrente.
Vejamos se pode considerar-se suficiente a fundamentação ou se o tribunal errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se o resultado do processo probatório devia ser, pelo menos, uma dúvida insanável.
Quanto ao erro de julgamento em matéria de facto, o n.º 3 do art.º 412.º faz recair sobre o recorrente os seguintes ónus[17]: o de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
É com base nesta norma que se tem defendido, una voce, que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo tribunal de recurso, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida.
Duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso.
Mas se o recurso que incide sobre matéria de facto implica a reponderação, pelo Tribunal da Relação, de factos pontuais incorrectamente julgados, essa reponderação não é realizada se este tribunal se limitar a ratificar ou “homologar” o julgado (por exemplo, com a simples constatação, a partir do acolhimento da fundamentação, da correcção do factualmente decidido), em vez de fazer um verdadeiro exercício de julgamento, embora de amplitude menor.
Como faz notar o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 30.11.2006 (www.dgsi.pt/jstj), “em sede de conhecimento do recurso da matéria de facto, impõe-se que a Relação se posicione como tribunal efectivamente interveniente no processo de formação da convicção, assumindo um reclamado «exercício crítico substitutivo», que implica a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrentes, da convicção adquirida em 1.ª instância pela do tribunal de recurso, sobre todos e cada um daqueles factos impugnados, individualmente considerados, em vez de se ficar por uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento”[18].
É esse exercício que procuraremos fazer de seguida, mas não pode olvidar-se que uma das grandes limitações do tribunal de recurso quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efectuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto directo com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
Os tribunais superiores têm, justamente, chamado a atenção para esse condicionamento, pois é bem verdade que “a sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v.g., quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio” (acórdão do STJ de 19.12.2007, www.dgsi.pt/jstj).
Não obstante, o papel fiscalizador deste tribunal não fica inteiramente prejudicado, pois sempre pode apreciar se a valoração dos depoimentos foi feita de acordo com as regras da lógica e da experiência, isto é, se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório de que o tribunal dispôs.
O recorrente impugna a decisão relativamente aos factos descritos sob os n.ºs 4 a 10 do acórdão, que é praticamente tudo o que, de essencial para a imputação do crime de roubo, o tribunal deu como provado.
O discurso argumentativo do recorrente pode resumir-se assim: os elementos de prova (depoimentos das testemunhas, auto de apreensão das notas do BCE e diário clínico do Centro Hospitalar de Lisboa) que corroboram a versão dos factos relatada pelo ofendido não podiam ter sido valorados pelo tribunal (pelas razões sobre as quais já nos debruçámos), restando, assim, os depoimentos daquele e do agente T4.... O depoimento deste agente policial é um depoimento indirecto, pois nada presenciou, e por isso nada vale. Fica, então, o depoimento do ofendido que, como o próprio tribunal reconhece, tem evidentes fragilidades. Logo, pelo menos, devia o tribunal ter ficado na dúvida e por isso impunha-se a sua absolvição.
O recorrente não foi bem sucedido relativamente à sua pretensão de ver afastados aqueles elementos de prova e quanto à natureza do depoimento da testemunha T4... é evidente que não lhe assiste razão. É óbvio que quando a testemunha T4... relata que o arguido lhe foi entregue por dois cidadãos que o viram assaltar o ofendido e por isso foram em sua perseguição, acabando por detê-lo, e que na revista que lhe fez encontrou, no bolso das calças que ele vestia, várias notas do BCE, no valor total de € 135,00, que estavam ensanguentadas, está a falar de factos de que teve percepção directa.
O depoimento do ofendido C... não foi decisivo na formação da convicção do Colectivo porque os juízes que o integraram detectaram-lhe incongruências, imprecisões e faltas de objectividade, que não ignoraram nem procuraram camuflar, e que fizeram com que não tivesse a força de convicção que, habitualmente, tem em situações como esta o testemunho de um ofendido.
Há, efectivamente, aspectos da narrativa do ofendido que são nebulosos, mas o tribunal foi além do que era razoável e legítimo no apontar de fragilidades desse depoimento.
Por exemplo, não nos parece que possa merecer a nossa concordância a afirmação de que “o relato feito pelo ofendido pressupõe a existência de um acordo de vontades e de uma actuação concertada entre o arguido e o motorista do táxi em que o primeiro se fez transportar, hipótese que se apresenta algo problemática, atento que o ofendido não combinou a viagem previamente com o taxista e que tomou o táxi aleatoriamente na via pública” pela simples razão de que, de acordo com o depoimento do ofendido C..., a ter havido uma qualquer forma de concertação entre o taxista e o arguido, isso teria sido combinado na taberna onde os três estiveram a beber.
Também não vemos que possa ser apontado como obscuridade do depoimento do ofendido não ter ficado claro “como é que o arguido terá conseguido percorrer a distância entre a taberna sita na Rua G… e o local descampado sito em Chelas, onde o ofendido foi atacado, a tempo de praticar os factos que lhe são imputados”. Muito menos é aceitável a afirmação do recorrente de que “a versão contada pelo ofendido não corresponde à verdade dos factos desde logo porque seria impossível que o arguido, deslocando-se a pé desde a G... até Chelas demorasse apenas mais 5, 6 ou 10 minutos a fazer o mesmo percurso que o ofendido sendo que este se deslocava de táxi”.
O recorrente constrói o seguinte silogismo: quando foi detido, estava apeado, pelo que ter-se-ia deslocado a pé da G... até Chelas; o ofendido afirma que ainda se demorou na taberna 5, 6 ou 10 minutos, após o que se dirigiu, de táxi, para Chelas; seria impossível ao arguido fazer o mesmo percurso, a pé, demorando, apenas, mais 10 minutos, pois teria que chegar ao local do assalto antes do ofendido; logo, a versão do ofendido não é verdadeira.
Salvo o devido respeito, é patente a falácia deste raciocínio.
O ofendido afirmou que, depois da saída do arguido, manteve-se na taberna a “beber mais uns copos” durante mais 5, 6 ou 10 minutos. Mas também disse que não era capaz de precisar durante quanto tempo isso sucedeu. Sendo da experiência comum que quando se está “a beber uns copos” perde-se a noção do tempo, é perfeitamente possível que os 10 minutos tivessem sido, na realidade, 15 ou 20, ou até mais, minutos.
Mas o que mais evidencia a falácia é o facto de o recorrente (e parece que também o tribunal a quo) dar por certo aquilo que não está, de forma alguma, demonstrado: que só poderia ter feito a pé o percurso entre o local onde se situa a taberna (na Rua G…) e o local (no Prolongamento da Rua S…, em Chelas) onde foi praticado o acto criminoso. Não se percebe porque é que o arguido não podia ter tomado um transporte público (autocarro ou táxi) e assim ser perfeitamente possível que tivesse chegado ao local bem antes do ofendido.
Na motivação do seu recurso, o recorrente destaca, ainda, o facto de o ofendido ter feito afirmações díspares sobre o montante em dinheiro que tinha consigo.
Assim foi quando respondeu a perguntas da ilustre defensora. No entanto, quando inquirido pela Sra. Procuradora, disse que devia ter € 200,00, que correspondia ao máximo que podia levantar através do Multibanco. Ora, ao arguido foi apreendida a quantia de € 135,00 e o agente T4... recolheu várias notas, num total de € 50,00, que estavam espalhadas no chão, no local onde o ofendido estava caído.
Na taberna, o ofendido pode ter gasto a quantia de € 15,00, que assim perfaria o montante de € 200,00 que terá levantado na máquina ATM.
Por isso que as contradições do seu depoimento são mais aparentes que reais.
Como é bem sabido, no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador), pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador.
Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só[19].
O que se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
Também a prova testemunhal está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. Mas, como é afirmação corrente, apreciar livremente as provas não é apreciá-las arbitrariamente e, muito menos, apreciá-las de modo a chegar à decisão que ao tribunal parecer justa.
Sendo, porventura, aquela que maior importância assume como instrumento essencial de reconstituição dos factos (embora no processo penal não tanto como no processo civil, em que, frequentemente é a única prova existente), à prova testemunhal são apontadas duas importantes fragilidades: a sua falibilidade e a precariedade.
As razões são “por um lado (…), o perigo do erro na percepção e do desgaste na memória da testemunha. Mesmo em relação às testemunhas presenciais de um facto, muitas vezes ocorre, especialmente quanto aos aspectos secundários da ocorrência, que cada pessoa viu a coisa a seu modo, com versões diferentes da mesma realidade. Além disso, o tempo exerce uma acção poderosa de erosão das vivências de cada facto na memória da generalidade das pessoas (…). Por outro lado, há que contar ainda, na apreciação da prova, com o risco da parcialidade da testemunha, expresso principalmente na omissão de factos capazes de prejudicar a parte que a indicou” (Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, 1985, 614-615; no mesmo sentido, Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, 276-277).
O primeiro dos apontados perigos dificilmente ocorrerá com uma pessoa que é vítima de um roubo, sobretudo quando a violência exercida é violência física, que marca, indelevelmente, a vítima.
Mas, para que o depoimento de um ofendido possa ser considerado suficiente para que o tribunal nele alicerce a sua convicção, é fundamental que seja objectivo, consistente, lógico, coerente e não contrastante com meios de prova objectivos, eventualmente existentes.
Ora, se, como vem referido na fundamentação do acórdão recorrido, faltou objectividade e precisão ao depoimento do ofendido, uma condenação do arguido exigia outra prova que o corroborasse, sobretudo uma prova objectiva[20] que corroborasse a prova subjectiva.
É, justamente, o que ocorre neste caso: além de outra prova testemunhal, existe um conjunto de provas materiais que, devidamente conjugadas, persuadem fortemente no sentido de que os factos ocorreram tal como vêm descritos no acórdão recorrido e que foi o arguido/recorrente o seu autor.
Com efeito, as testemunhas afirmaram que o ofendido estava ferido na boca e era daí que sangrava muito. O ofendido não se recordava se foi agredido com socos na face, mas lembrava-se que o seu assaltante fazia forte pressão sobre a sua boca, com a mão, tentando tapá-la para o impedir de gritar. Esse relato está em sintonia com o teor do documento clínico de fls. 57, no qual se refere que o ofendido C... apresentava “feridas incisas contusas no lábio inferior”, tendo sido suturado.
A testemunha T4... afirmou que quando o detido lhe foi entregue tinha manchas de sangue na roupa que vestia. Manchas de sangue tinham, também, as notas do BCE que lhe foram apreendidas, no valor total de € 135,00, e que ele guardava num dos bolsos das calças que vestia.
Tendo o arguido sido detido em acto seguido ao assalto de que foi vítima o ofendido, assalto esse presenciado pelas testemunhas T1…, T2… e T3..., é inelutável a conclusão de que dinheiro que o arguido tinha consigo retirou-o ao ofendido C..., recorrendo, para tanto, à violência física.
Concluindo, a fundamentação do acórdão recorrido enuncia os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários directos (os sujeitos processuais) e perante a comunidade, permitindo alcançar que, ao contrário do que afirma o recorrente, ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre o material probatório de que o tribunal pôde dispor, cumprindo, pois, a sua missão.
*
A medida (judicial) da pena
Por último, o recorrente insurge-se contra a medida da pena, que considera excessiva face ao grau de ilicitude e à culpa, bem como às exigências de prevenção especial e geral. Acrescenta que, actualmente, tem um posto de trabalho regular e não oferece perigo para a sociedade (conclusões 48.ª a 52.ª).
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando, o ensinamento do Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit, 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
Depois de uma referência aos critérios de determinação da pena, o tribunal fundamentou a aplicação da pena de 2 anos de prisão nos seguintes termos:
“Os crimes de roubo, atenta a componente de violência contra pessoas que comportam, despertam um forte alarme social e criam um sentimento generalizado de insegurança.
Esta categoria de conduta de criminosa tem constituído o expediente a que têm recorrido numerosas pessoas em situação de carência económica extrema (por exemplo, toxicodependentes) a fim de obterem meios económicos que lhes permitam satisfazer as suas necessidades, nomeadamente em produto estupefaciente.
Ao roubo recorrem também com frequência adolescentes e jovens de condição sócio-económica desfavorecida, com a finalidade de obterem artigos de consumo (telemóveis, relógios, «roupas de marca» e outros), a que dificilmente teriam acesso.
São estas as condutas delituosas, subsumíveis no tipo criminal do roubo, que ocorrerem com maior frequência e dão causa ao grosso do impacto social negativo a que anteriormente se aludiu, tanto mais que têm por alvo, na esmagadora maioria dos casos, pessoas caracterizadas por uma maior vulnerabilidade e uma menor capacidade de defesa, como sejam crianças, adolescentes ou idosos.
Nesta ordem de ideias, as condutas da referida natureza jurídico-penal devem ser intensamente desencorajadas, pelo que nos situamos num domínio em que as exigências de prevenção geral são, por via de regra, fortes.
Dito isto, tem o Tribunal de considerar, na fixação da sanção concreta a aplicar, as necessidades de prevenção especial, por um lado, e o nível concreto de culpa do arguido, por outro.
Sendo o crime de roubo, em primeira linha, um ilícito dirigido contra a propriedade, o grau de ilicitude do facto aparece espelhado, antes de mais, no valor dos bens retirados ao ofendido.
O valor do bem a que o arguido deitou mão totaliza 135 euros, não sendo, por isso, economicamente muito significativo, pois encontra-se relativamente próximo limite superior da noção legal de «valor diminuto» (art. 202º al. c) do CP), que se cifrava, ao tempo dos factos, em 96 euros (1 UC).
No plano da lesão de bens jurídicos pessoais, a conduta em apreço apresenta um grau de violência assinalável, pois envolveu atentado concreto contra a integridade física do ofendido.
As consequências da conduta sob censura, do ponto de vista patrimonial, foram nulas, já que a quantia subtraída foi apreendida por agentes policiais e está em condições de poder ser restituída ao seu proprietário, ainda que para tal não tenha contribuído minimamente a vontade ou a acção do arguido.
Permanecem integralmente por reparar o susto, a inquietação, a dor física e o vexame infligidos pelo arguido ao ofendido.
O dolo com que o arguido agiu é intenso, porque directo.
Nada se sabe quanto aos sentimentos que o arguido tenha demonstrado na prática do crime ou aos motivos que o terão impelido a delinquir, para além do inerente propósito de beneficiar economicamente do bem subtraído.
Pesam contra o arguido os seus antecedentes criminais.
Do seu CRC, cujo teor se deu por reproduzido, constam registadas três condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, pela prática de crimes contra a propriedade (dois furtos qualificados e um roubo), a última das quais deu origem à feitura de um cúmulo jurídico, que englobou todas essas penas e por efeito do qual o arguido foi condenado numa pena única de 3 anos de prisão, cuja execução se suspendeu por 5 anos, tendo esta decisão transitado em julgado em 9/12/05.
O arguido mostra-se socialmente enquadrado do ponto de vista laboral, tem responsabilidades familiares (contribui para o sustento de um filho menor) e o seu nível educacional situa-se próximo da média nacional.
Em face dos elementos reunidos nos autos e que cumpre ponderar, pode constatar-se que, relativamente ao arguido em presença o grau de culpa é médio e as exigências de prevenção especial revestem razoável intensidade.
Nesta conformidade, o Tribunal entende por justo e adequado quantificar em 2 anos de prisão a pena em que o arguido vai ser condenado”.
Concordando, na generalidade, com esta fundamentação, não podemos deixar de assinalar que, apesar da modéstia do valor subtraído ao ofendido, a gravidade da violação jurídica cometido pelo arguido é bastante elevada se avaliarmos os factos na sua globalidade e, sobretudo, se se atender ao seu modo de execução, com utilização de violência física de dimensão considerável e exercida sobre uma pessoa vulnerável, com manifestas dificuldades em defender-se, o que nos leva a situar o grau de ilicitude do facto acima daquilo que é comum num roubo simples cometido na via pública.
Por outro lado, as circunstâncias da acção do arguido revelam uma vontade muito firme e inabalável em concretizar a subtracção e a apropriação ilícitas. Mesmo sabendo que a sua actuação estava a ser presenciada por moradores da zona, nomeadamente as pessoas que o perseguiram e acabaram por detê-lo, persistiu nos seus intentos, o que revela uma grande intensidade dolosa.
Assim, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo levam-nos a situar a culpa num patamar acima da mediania referida no acórdão recorrido.
Acresce que, no caso, revelam-se muito elevadas as exigências de prevenção geral e especial pelas razões mencionadas no acórdão.
Estar socialmente integrado não é estar empregado e ter responsabilidades familiares. É, antes de mais, ser cidadão responsável, que cumpre as suas obrigações e tem uma conduta fiel ao direito. Não é o que sucede com o recorrente que cometeu o crime no período de suspensão da execução de uma pena de 3 anos de prisão, por ter cometido crimes idênticos.
Por isso que, a merecer algum reparo a medida da pena, é pela sua benevolência, e não por excessiva.

III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Por ter decaído, pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se em cinco UC´s a taxa de justiça devida (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 87.º, n.º 1, al. b), do Código das Custas Judiciais).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Lisboa, 28 de Junho de 2011

Relator: Neto de Moura;
Adjunto: Alda Tomé Casimiro;
--------------------------------------------------------------------------------------
[1] O acórdão tem cinco votos de vencido dos Srs. Conselheiros Eduardo Maia Costa, Raul Borges, M.J. Simas Santos, Carmona da Mota e Arménio Sottomayor que defenderam que se fixasse jurisprudência em sentido oposto, ou seja, em caso de impossibilidade de retomar a audiência no prazo de 30 dias, a produção da prova já realizada não perderia eficácia desde que as declarações oralmente prestadas na audiência estivessem documentadas através de gravação magnetofónica ou áudio-visual (ou outro meio técnico idóneo à sua reprodução integral), já que a norma em causa (n.º 6 do art.º 328º do CPP) “visará não propriamente sancionar a desconcentração da prova em audiência (até porque a repetição da prova, a pretexto de a concentrar, acabará por prejudicar a realização do julgamento em “prazo razoável”) mas, simplesmente, remediar a dissipação na memória dos julgadores após o decurso de um determinado tempo (que fixou, algo arbitrariamente, em 30 dias), da chamada “prova volátil”: a sua suposta volatilização com a passagem do tempo obrigá-la-ia, para refrescamento da memória dos julgadores, a repetir-se.
[2] Gil Moreira dos Santos, “O Direito Processual Penal”, ASA, 2003, 379, afirma que a fase de julgamento desdobra-se em três outras, a saber: organização dos meios de prova, a produção da prova ou discussão e a deliberação. No entanto, a audiência é muito mais que a produção de prova e a sub-fase da sentença é bem mais que a deliberação (que só tem lugar quando o julgamento é efectuado por tribunal de estrutura colectiva – tribunal de júri ou tribunal colectivo) e por isso não vemos que vantagem pode advir da utilização de terminologia que, sendo diferente da nomenclatura legal, transmite uma ideia errada daquelas fases processuais.
[3] Na versão primitiva do Código de Processo Penal, nunca era utilizada a expressão “audiência de julgamento”, que só surge com as alterações introduzidas no Código (sobretudo no normativo que regula o processo sumário) em 2007 e 2010 (Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto).
[4] Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão desta Relação de 24.10.2007 (www.dgsi.pt; Relator: Des. Rodrigues Simão), onde se cita, em abono, o acórdão do STJ de 11.01.2006.
Em sentido oposto, Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 826) que, citando a lei Alemã, afirma que a audiência encerra com a publicação da sentença resultante da deliberação, acrescentando que “por isso, após as últimas declarações do arguido, o presidente apenas declara encerrada a «discussão» (artigo 361.º, n.º 2) e não a audiência”.
Certo é, porém, que, na lei portuguesa, e como decorre, justamente, entre outros, dos artigos 361.º e 371.º do Cód. Proc. Penal, encerramento da discussão e encerramento da audiência são expressões que querem dizer, exactamente, o mesmo.
Dispõe o art.º 371.º que, sendo necessária a produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, “o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta”. Ora, se fosse certo que o juiz presidente, depois de ouvir o(s) arguido(s) em tudo o mais que ele(s) tenha(m) a alegar em sua defesa, não é a audiência que encerra, porque é que na aludida situação de necessidade de produção de prova suplementar, o tribunal declara reaberta a audiência? Porquê reabrir o que não estava encerrado?
Na sua acepção comum, audiência é o mesmo que audição, o acto de ouvir e de prestar atenção a quem nos fala. A audiência em processo judicial (cível ou penal) enquanto “sessão em que o tribunal escuta e aprecia os actos praticados oralmente pelos intervenientes no processo” deriva dessa acepção comum (cfr. Professor Marcelo Caetano in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, edição Verbo, vol. 2.º, 1809).
Com efeito, na audiência, o tribunal escuta e aprecia as exposições e os requerimentos do representante do Ministério Público, dos defensores e dos mandatários do assistente ou do demandante quando há pedido cível de indemnização, ouve as declarações dos arguidos e dos assistentes e/ou lesados que as queiram prestar, inquire e ouve os depoimentos de testemunhas e de peritos e ouve as alegações orais do Ministério Público e dos advogados.
Repare-se que no n.º 3 do art.º 372.º, quando se diz que, regressado o tribunal à sala de audiência, o presidente ou outro dos juízes procede à leitura da sentença, já não se refere, como no preceito imediatamente antecedente, que o tribunal declara reaberta a audiência. Compreende-se que assim seja, pois que, se vai proceder-se à leitura da sentença, já não se vai ouvir ninguém, porque já terminou a audiência.
[5] Neste sentido, entre outros, os acórdãos desta mesma Relação, de 07.07.2004 (CJ XXIX, T. IV), da Relação do Porto, de 20.10.2004 (mesma CJ, pág. 222) e da Relação de Guimarães, de 27.02.2006 (CJ XXXI, T. I, 296) e o acórdão do STJ, de 30.03.2006 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Pereira Madeira).
O acórdão da Relação de Coimbra de 23.09.2009 (www.dgsi.pt/jtrc; Relator: Des. Esteves Marques), em que se considerou que “o prazo de trinta dias a que se refere o nº 6 do art.º 328º do CPP reporta-se apenas ao intervalo das sessões de audiência não sendo aplicável à fase da sentença”, debruçou-se sobre um caso em que a audiência se iniciou em 26.03.2008 e prolongou-se, com várias sessões, até 05.12.2008, data do encerramento da audiência, tendo a leitura do acórdão ocorrido em 07.04.2009, depois de uma primeira marcação para 09.01.2009.
[6] Também no acórdão do STJ de 26.09.2007 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Pires da Graça) se considerou que a imperceptibilidade da prova gravada configura uma irregularidade a arguir nos termos do art.º 123.º do Cód. Proc. Penal (seguindo, assim, a orientação jurisprudencial fixada pelo AUJ n.º 5/2002, de 27.06.2002, DR, I-A, de 17.07.2002, em que se decidiu: “A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do CPP, constitui irregularidade sujeita ao disposto no artigo 123.º do CPP, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já não pode dela conhecer”).
Assalta-nos a dúvida sobre se no primeiro dos referidos arestos se teve em consideração que, quando foi proferido, já estava em vigor a nova redacção do art.º 363.º do Cód. Proc. Penal (introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), que passou a dispor que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”, tornando ultrapassada a jurisprudência fixada.
Temos para nós que um depoimento inaudível ou imperceptível é situação equiparável a omissão de documentação e constitui uma nulidade (sanável), que pode ser arguida em recurso da sentença. No entanto, nada legitima a conclusão de que a imperceptibilidade de algum ou alguns depoimentos oralmente prestados na audiência gera a nulidade de (toda a) produção de prova.
[7] No mesmo sentido, o acórdão da Relação do Porto de 18.01.2006 (www.dgsi.pt; Relator: Des. Pinto Monteiro), assim sumariado: “Se, por deficiência de gravação, não há registo de parte de depoimento indicado como uma das provas que impõem decisão de facto diversa da recorrida, ocorre irregularidade que, sendo atempadamente arguida, leva à invalidade de todo o julgamento, por ter decorrido o prazo referido no nº 6 do artº 328º do CPP98”.
[8] Todas estas decisões estão acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 519), “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
[10] Sobre as repercussões extra-processuais do princípio, cfr. o estudo de José Souto Moura, “A questão da presunção de inocência do arguido”, Rev. do Ministério Público n.º 42, 31 e segs. [11] Assim, também, o acórdão do STJ de 11.07.2007 (www.dgsi.pt), onde se pode ler: “o princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo.
[12] Importa, no entanto, aqui fazer notar que esta não é a única perspectiva do princípio e do seu âmbito de aplicação. Por exemplo, o entendimento do Professor Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, vol. I, 217) é o de que o in dubio pro reo se assume como um princípio geral de processo penal, não circunscrito a matéria de facto, antes podendo a sua violação conformar também uma verdadeira questão de direito que cabe dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça. É esta, também, a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, 1102) que considera não constituir o vício de erro notório na apreciação da prova a violação do princípio in dubio pro reo. Porém, o STJ tem rejeitado a possibilidade de invocar o princípio em sede de interpretação ou de subsunção legal dos factos.
Sendo entendido na perspectiva de que respeita a matéria de prova, a sua eventual violação será insindicável pelo STJ, a não ser que o vício decorra, de forma evidente, da decisão recorrida (nomeadamente da fundamentação da decisão de facto).
[13] Mas, se não tem qualquer dever de dizer a verdade, ao contrário do que recorrentemente se propala, também não tem o direito de mentir. Se o arguido não quer contar (toda ou parte da) a verdade, deve remeter-se ao silêncio (assim, o acórdão do TC n.º 172/92, www.tribunalconstitucional.pt).
[14] Embora, em bom rigor, não se possa falar em ónus da prova em processo penal.
[15] Neste sentido, o acórdão do STJ de 29.05.2008 (Relator: Cons. Rodrigues da Costa), disponível em www.dgsi.pt/jstj .
[16] Citado por Manuel Simas Santos, M. Leal-Henriques e João Simas Santos, in “Noções de Processo Penal”, Rei dos Livros, 2010, 426.
[17] Além da indicação das provas a renovar, se for caso disso.
[18] No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 15.10.2008 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons.Henriques Gaspar) em que se escreveu que “a reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global e muito menos um novo julgamento da causa, também se não poderá bastar com declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do julgamento da decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada (ou, melhor, uma nova ponderação), em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados, para, por esse modo, confirmar ou divergir da decisão recorrida (cf. Ac. n.º 116/07 do TC, de 16-02-2007, DR, II série, de 23-04-2007, que julgou inconstitucional a norma do art. 428.º, n.º, 1 do CPP «quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos da prova produzida.
[19] Como se escreveu no acórdão do STJ de 11.07.2007 (www.dgsi.pt/jstj), a prova produzida mede-se pelo seu peso e não pelo seu número.
[20] Usamos aqui a expressão “prova objectiva” sem qualquer preocupação de rigor classificativo, simplesmente por contraposição com a “prova subjectiva”, constituída, basicamente, pela prova testemunhal e por declarações. Poderíamos utilizar a expressão “prova real”, por contraposição a “prova pessoal”, classificação proposta por Manuel Simas Santos, Manuel Leal-Henriques e João Simas Santos, Ob. Cit., p. 199).
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/28dbcd398d7ec311802578d400323e5c?OpenDocument

Pesquisar neste blogue