Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MEDICAMENTOS GENÉRICOS, DIREITO À PATENTE, SUA NATUREZA, DANOS EVENTUAIS OU HIPOTÉTICOS - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - 30-06-2011

Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 07053/10

Secção: CA-2º JUÍZO


Data do Acordão: 30-06-2011

Relator: COELHO DA CUNHA

Descritores: DIREITO À PATENTE.
SUA NATUREZA.
COMPRESSÕES OU RESTRIÇÕES.
ACTOS DE AIM.
AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.
DANOS EVENTUAIS OU HIPOTÉTICOS.

Sumário: I-O direito à patente não é um direito absoluto, mas sim um direito patrimonial que pode ser sujeito a compressões ou restrições, por via de um interesse público prevalecente.

II- O processo cautelar não pode antecipar, a título definitivo, a decisão a proferir no processo principal, devendo conter-se numa apreciação perfunctória da aparência de bom direito.

III- A autorização de introdução no mercado dos medicamentos, por parte do INFARMED, não é susceptível, por si só, de provocar danos materiais, os quais podem derivar tão somente, da efectiva comercialização.

IV- Nestas situações, os prejuízos invocados pela titular da patente, além de meramente eventuais ou hipotéticos, são de fácil quantificação, podendo ser calculados em sede de execução de sentença.

V- O retardamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos, de menor custo, causa efectiva lesão do interesse público, com custos relevantes para o consumidor.






Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul

1- Relatório
B……… ……………….., INC, sociedade constituída de acordo com as leis dos Estados Unidos, com sede em 90 EAST RIDGE, P.O. BOX 368, RIDGEFIELD, CONNECTICUT, 06877, USA, (doravante Boehringer, requerente ou recorrente) requereu no TAC de Lisboa uma providência cautelar de suspensão de eficácia, contra a INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, indicando ainda como contra interessada a T………, na qual pede que seja “ declarada a suspensão de eficácia dos actos de atribuição dos números de registos nacionais pelo Infarmed à Contra-Interessada, incluindo a menção de tal suspensão no respectivo website, relativamente ao produto Nevirapina Teva 200mg Comprimido, sob a designação indicada ou quaisquer que venham a ser as designações deste medicamento no futuro”.
E, ainda requer que o INFARMED seja intimado, durante o período de vigência da PT 95919 (que termina a 22.11.2012) e do CCP 12 (em vigor até 09.01.2015) a abster-se de aprovar os preços de venda do medicamento em causa, sem condicionar tal fixação a apenas entrar em vigor na data em que a PTF 95919 e o CCP 12 caducarem.
Por sentença de 08.10.2010, foi o pedido julgado improcedente.
Inconformado vem a B……….. ……………, INC, interpor recurso jurisdicional para este TCA-Sul enunciando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. O facto alegado pela Recorrente no requerimento inicial que o Nevirapina contido nos medicamentos Nevirapina Teva é preparado pelo processo reivindicado na Patente PT 95919 não foi impugnado pelo Infarmed ou pela Contra Interessada.
2. Nesses termos deverá ser considerado como facto assente nos termos do artigo 490.° n.°2 do Código do Processo Civil, o seguinte facto: "A Nevirapina usada no genérico Nevirapina Teva é produzida pelo processo patenteado na PT 95919. "
3. E para o caso, inverosímil, deste Tribunal não considerar como provado deve ser considerado como facto a provar o seguinte: "À data do pedido de patente PT………. (16.11.1990) e da prioridade reivindicada nessa patente, o Nevirapina nunca tinha sido sintetizado ou divulgado, nem tinha sido divulgada a aplicação do processo que é mencionado na patente para obter esse produto."
4. Na verdade, sendo esse facto provado, estabelece-se que o objecto da Patente é um processo de fabrico de um produto novo - Nevirapina - e nos termos do artigo 10.° do CPI 40 e artigo 98.° do CPI em vigor, terá como consequência a inversão do ónus da prova para o Requerido e Contra Interessada que o processo utilizado no seu produto não viola a Patente e o CCP.
5. Nos termos do artigo 128.° do CPTA, independentemente da existência, ou não, de actos de execução cuja declaração de ineficácia possa ser requerida, pode o Tribunal escrutinar os fundamentos da Resolução em causa.
6. Para que a Resolução fosse procedentemente fundamentada, impunha-se, assim, que, em concreto, ela identificasse os danos decorrentes da não execução dos actos em causa nesta acção durante o tempo provável de duração da providência, procedesse a uma criteriosa avaliação da sua importância e gravidade e, finalmente, os comparasse com aqueles que essa execução iria provocar, tendo em conta os direitos e interesses legítimos de terceiros, no quadro dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade, estabelecidos nos art°s 4° e 5° do Código do Procedimento Administrativo.
7. Resta pois concluir que a decisão recorrida viola o artigo 128.° do CPTA, porquanto o aplicou erradamente aos presentes autos. E assim se concluindo, revogar-se-á a decisão recorrida e deverá ser emitida decisão julgando improcedentes as razões em que a Resolução Fundamentada se fundamenta.
8. O acto de atribuição do número de registo trata-se, na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 54º n°2 do Estatuto do Medicamento, conjugado com o n°4°.1 da Deliberação n°147/CD/2008 do Infarmed, ambas citadas pela Recorrente no seu requerimento inicial e pela douta sentença em recurso, de um acto pelo qual o Infarmed concede a um titular de uma AIM a permissão para que o mesmo comercialize em Portugal o medicamento objecto dessa AIM.
9. Ocorre a possibilidade de as autoridades dos estados-membros proibirem a comercialização, nos seus territórios, de medicamentos objecto de AIMs concedidas pela Comissão Europeia constitui um dos elementos do pano de fundo do Regulamento (CE) 726/2004, o qual prevê no seu considerando 13) que "os Estados-Membros devem, excepcionalmente, poder proibir a utilização no seu território de medicamentos para uso humano que violem conceitos objectivamente definidos de ordem pública ou moral pública".
10. Neste quadro, impunha-se ao Infarmed que, no caso destes autos, sobrestasse na atribuição do registo, porque lhe estava vedado por um princípio de ordem pública nacional e comunitário claramente estabelecido viabilizar a violação dos direitos de propriedade industrial da Requerente.
11. Nestes termos, o pedido formulado na acção principal é manifestamente fundamentado, encontrando-se, pois, preenchido o requisito do fumus boni juris.
12. E o fumus boni iuris só não foi considerado pelo Tribunal a quo, uma vez que este fez erradas assumpções e não identificou correctamente a questão em causa nos presentes autos.
13. O acto de atribuição do número de registo nacional deve consequentemente ser declarado nulo ou anulável nos termos dos art.º135º e 133º nº2 alínea c) e d) do Código de Procedimento Administrativo, e o Infarmed intimado a não aprovar os preços máximos, uma vez que levantam barreiras administrativas à exploração pela Contra Interessada de um produto protegido pela Patente e pelo CCP, tendo como consequência a violação das normas constitucionais (artigos 62º e 266º) de protecção de direitos fundamentais, aqui violados, e o seu objectivo será permitir uma conduta criminal por terceiros.
14. A Patente confere ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, que se traduz na proibição legal de qualquer terceiro, sem o consentimento do seu titular, explorar o invento patenteado, por qualquer das formas definidas no artigo 101º n°2° do CPI, durante o seu período de vigência (artigo 101ºe 32° n°4).
15. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente e do CCP goza "das garantias estabelecidas para a propriedade em geral", nos expressos termos do artº316º do Código da Propriedade Industrial.
16. E sendo um direito de propriedade privada é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental com a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17ºda Constituição.
17. E a natureza de direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias isto tem sido pacificamente aceite pela doutrina (Professor Gomes Canotilho, Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, page 223, Vieira de Andrade in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 138 n.° 3953, Novembro-Dezembro 2008, pp. 70-96, Jorge Miranda and Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, page 14, Pires de Lima and Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. III. 187 pages 86 et seq., Luís Couto Gonçalves in Manual de Direito Industrial, 2005, pages 41 and 42) e sistematicamente confirmado pela jurisprudência (Jurisprudência do Tribunal Administrativo Central do Sul - Processos n.°3886/08, 3887/08, 4219/08, 4265/08 e 56/09).
18. O principal objectivo da providência cautelar é assegurar o efeito útil da decisão na acção principal, nos termos do disposto no n.°1 do artigo 120° do CPTA, O risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.
19. Apenas se esse risco não existir os danos de difícil reparação deverão ser considerados.
20. Com a prolação do acto suspendendo e do acto que se pretende evitar é evidente a iminente comercialização do Genérico Nevirapina Teva que resulta numa situação de facto consumado e retirará toda a utilidade à acção principal tornado imperativa e urgente a concessão das medidas cautelares aqui requeridas adequadas a assegurar o efeito útil da decisão na acção principal.
21. Mesmo que se não considerasse tal situação como a de facto consumado, a verdade é que a não concessão desta providência iria implicar a produção de prejuízos de difícil ou mesmo impossível reparação para os interesses que a Recorrente visa assegurar na acção principal.
22. A comercialização do Nevirapina Teva causará à Recorrente a privação, contra a sua vontade, do gozo do direito ao exclusivo de exploração da invenção que a Patente lhe confere, que constitui o cerne do direito de propriedade industrial ao qual tem direito, uma situação que é, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, da posse de um bem pertencente à Recorrente.
23. É uma ofensa ao direito de propriedade industrial da ora Recorrente causadora de um dano imaterial, que consiste numa remoção temporária de um bem que faz parte dos direitos e obrigações da Recorrente, que não poderá ser reparado ainda que uma compensação financeira seja posteriormente atribuída pelo Tribunal.
24. A compensação duma tal privação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento, pelo que os danos resultantes da concessão da providência serão inferiores ao que resultam da sua rejeição.
25. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.
26. A douta decisão recorrida violou e fez má interpretação de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 98º do CPI, 490º nº2, 511º, e 664º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artº1º do CPTA, e bem assim os artigos 37º nº2 c), 112º, 120 nº1 b) e c) e 128º do CPTA, artigo 133º nº2, c) e d) do CPA e artigos 17º, 18º, 62º e 266º da Constituição bem como os princípios do dispositivo e do contraditório consagrados no artigo 264º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que:
a. Revogue a douta sentença que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada emitida pelo Infarmed, substituindo-a por decisão que considere improcedentes as razões em que se fundamenta a mesma Resolução Fundamentada;
b. Altere a decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida por forma a incluir entre os factos provados que "o Nevirapina contido nos medicamentos Nevirapina Teva é preparado pelo processo reivindicado na Patente PT…….";
Ou caso assim se não entenda,
c. Amplie a matéria de facto por inclusão na matéria a provar do facto de que "À data do pedido de patente PT ……….(16.11.1990) e da prioridade reivindicada nessa patente, o Nevirapina nunca tinha sido sintetizado ou divulgado, nem tinha sido divulgada a aplicação do processo que é mencionado na patente para obter esse produto."
d. Revogue a douta sentença e decrete a providência cautelar requerida nos termos do pedido formulado no requerimento inicial.
O requerido contra-alegou concluindo do modo que segue:
1ª. Na presente demanda, as oras Recorrentes deduziram uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de atribuição de números de registo a AIM’s demitidas pela Comissão europeia, no âmbito do procedimento descentralizado, a medicamentos genéricos com o princípio do procedimento descentralizado, a medicamentos genéricos com o princípio activo “Nevirapina” tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal a quo.

2ª. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar.

3ª. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que os actos em causa dão inimpugnáveis, circunstância que obsta ao conhecimento do mérito da acção principal, e que consequentemente obsta igualmente a que seja adoptada a providência cautelar requerida.

4a. Veio, ainda, a Requerente apresentar pedido de intimação à abstenção da aprovação de preços máximos de venda de medicamentos, com o fundamento de que tal acto eliminaria todas as barreiras à comercialização do medicamento genérico Nevirapina.

5ª. O procedimento de comercialização daquele medicamento não se esgota, porém, com a mera aprovação dos preços máximos de venda, estando ainda dependente da celebração de um contrato com o Infarmed e de um procedimento específico a realizar selo Serviço Nacional de Saúde, não se verificando, assim, qualquer iminência de comercialização.

6a. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, não tendo sido preenchida a alínea b) do n°1 do artigo 120º do CPTA, que estabelece o critério do fumus non malus iuris, então não pode nunca verificar-se o preenchimento do critério fumus boni, previsto na alínea c) do mesmo artigo, por este ser consideravelmente mais exigente.

7a. Em suma, e não se verificando no caso sub judice, os requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida deve ser julgado improcedente o recurso das Recorrentes, mantendo-se a douta sentença recorrida.

8ª. O único incidente processual previsto e regulado nos termos do artigo 128º é o tendente à declaração de ineficácia do acto de execução indevida, seja por não ter sido emitida resolução fundamentada, seja porque o tribunal julgou improcedentes as razões em que a mesma se fundamentou.

9a. Atendendo a que a Recorrida não identificou quaisquer actos de execução indevida no âmbito do procedimento em causa na presente providência cautelar, não pode o tribunal apreciar a se o mérito da resolução fundamentada emitida pela entidade administrativa, devendo ser julgado, em consequência improcedente o recurso da Recorrente.
A Contra-Interessada T........ BV, apresentou na sua alegação as seguintes conclusões:
1. O recurso apresentado pela Requerente vem interposto da douta sentença datada de 8 de Outubro de 2010, que indeferiu a providência cautelar intentada por esta, sendo manifesta a sua improcedência porquanto a douta sentença recorrida fez a melhor interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, em especial, do disposto na a), b) do nº1 do artigo 120º do CPTA quanto ao fumus bonus malus, sendo os juízos nela contidos absolutamente irrepreensíveis.
2. Quanto à questão prévia invocada pela Recorrente relativamente ao efeito do recurso (tal questão prévia não se encontrar contida nas conclusões de recurso apresentadas pela Requerente), a sentença recorrida não decretou qualquer das providências requeridas pela Recorrente, enquadrando-se tal situação no nº2 do artigo 143º e não no nº1 do mesmo artigo do CPTA., tendo o presente recurso efeito meramente devolutivo, pois tudo se mantém na esfera jurídica das partes como antes da prolação da dita sentença.
3. Vem ainda a Recorrente - cfr. conclusões 5 a 7 da alegação - pronunciar-se sobre a Resolução Fundamentada produzida pelo Infarmed ao abrigo do artigo 18.S do CPTA, concluindo que devem "julgar-se improcedentes as razões em que se fundamenta (...)", sendo no entanto totalmente improcedente o por si alegado no sentido da ilegalidade da fundamentação da Resolução Fundamentada proferida pelo Infarmed.
4. Em primeiro lugar, e desde logo, o artigo 128º do CPTA apenas prevê – ao contrário do que parece supor a Recorrente, - que o interessado pode requerer a declaração de ineficácia de actos de execução indevida, não prevendo a impugnação da legalidade da Resolução Fundamentada.
5. É certo que tal qualificação como acto de execução indevida pode decorrer do facto de o Tribunal julgar improcedentes as razões em que se fundou a Resolução Fundamentada, como bem decorre, não do nº4 do artigo 128º, mas sim do nº3 (in fine) do mesmo preceito legal.
6. Ou seja, o CPTA não permite reagir directamente contra a Resolução Fundamentada mas apenas contra actos de execução indevida, ainda que com base na ilegalidade da fundamentação da Resolução Fundamentada.
7. À cautela, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a Resolução Fundamentada ora em causa, ao contrário do que sustenta a Requerente, ora Recorrente, foi elaborada de acordo com os requisitos legais e assenta na alegação de prejuízos graves para o interesse público, pelo que, os fundamentos invocados pelo Requerido Infarmed são suficientes e adequados a permitir a execução dos actos administrativos suspendendos.
8. Vem a Recorrente invocar ainda na sua alegação de recurso (cfr. conclusões 1 a 4 da alegação de recurso apresentada pela Requerente) que o facto por si alegado no requerimento inicial "o Nevirapina contido nos medicamentos Nevirapina Teva é preparado pelo processo reivindicado na Patente PT 95919" não foi impugnado pelo Infarmed ou pela Contra Interessada e que, por isso, deverá ser considerado como facto assente nos termos do artigo 490º nº2 do Código do Processo Civil, o seguinte facto: "A Nevirapina usada no genérico Nevirapina Teva é produzida pelo processo patenteado na PT 95919."
9. Não tem, como é óbvio, qualquer razão a Recorrente, pois tal pressuporia que a Contra-lnteressada, ora Recorrida, não tivesse impugnado tal alegação, quando foi precisamente o inverso o que sucedeu e decorre dos factos expostos nos artigos 79º a 98º da Oposição.
10. Na verdade, a ora Recorrida expressamente alegou que a patente invocada nos autos não é uma patente de processo, atento o seu objecto, mas sim uma patente de produto, pelas razões expostas nos artigos 73º e seguintes da Oposição que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, e de onde se conclui que nenhum processo é descrito nas reivindicações da patente.
11. Ora, se nenhum processo de fabrico é descrito nas reivindicações da patente, é obvio que o facto "o Nevirapina contido nos medicamentos Nevirapina Tevo é preparado pelo processo reivindicado na Patente PT ……." encontra-se impugnado, pois a Contra-lnteressada deixou expressamente impugnado que exista, sequer, um processo objecto da PT ……….., pelo que nunca a Nevirapina contida no medicamento Nevirapina Teva poderá ser preparada de acordo com um processo que nem sequer existe!
12. De facto, a ora Recorrida conclui do conjunto dos factos que alega para impugnar os factos da Requerente relativos à definição do seu alegado direito -fundado na PT…… que alegadamente é por si definida como uma patente de processo -, que todas as 5 reivindicações que constituem o objecto da PT …….. são inadmissíveis por respeitarem a realidades insusceptíveis de serem objecto de protecção na data do pedido de patente (antes da entrada em vigor do CPI de 1995).
13. E conclui ainda, quanto à pretensão da Requerente de beneficiar da presunção de inversão do ónus da prova constante do artigo 98.ºdo CPI de 2003, que tal alegação não pode colher, não só porque, a PT ……. é nula, como e ainda que se admitisse que a mesma seria válida - o que não se concede - esta não protege um processo, pelo que não está abrangida pela presunção do artigo 98º do CPI de 2003.
14. Assim, e por todo o exposto, não podia a sentença recorrida ter considerado provado o facto pretendido pela Recorrente devendo, portanto, julgar-se improcedente o alegado erro no julgamento da matéria de facto (cfr. conclusões 1 a 4 da alegação da Recorrente), mantendo-se a douta sentença recorrida no que se refere à matéria de facto.
15. O medicamento genérico da ora Recorrente foi objecto de autorização de introdução no mercado ao abrigo do procedimento centralizado, previsto no art. 54º do Estatuto do Medicamento, sendo tal procedimento centralizado de obtenção de autorização regido pelo Regulamento (CE) n.º726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004. A entidade que procedeu à emissão da autorização de introdução no mercado do medicamento genérico Nevirapina Teva, nas suas apresentações e formas farmacêuticas, foi a Comissão Europeia.
16. Nos termos do mencionado Regulamento Comunitário:
a) compete à Comissão Europeia, através da Agência Europeia de Medicamento, exercer e praticar todos os actos e diligências necessários à avaliação e concessão das autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano, em função dos pedidos que lhe sejam dirigidos ao abrigo do procedimento centralizado, exercendo, por isso, competências similares às que as leis nacionais de cada um dos Estados-Membros reservam às respectivas autoridades de saúde, quando se trate de pedidos de autorização de introdução no mercado de medicamentos que lhes sejam dirigidos pela via nacional;
b) compete, igualmente, à Comissão, e apenas a esta, proceder à alteração, suspensão ou à revogação de autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que tenham sido obtidas através do procedimento centralizado (cfr. art.81º, nº2 do mencionado Regulamento), isto porque, nos termos do Regulamento, uma autorização de introdução no mercado conferida de acordo com os termos desse Regulamento "é válido em toda a Comunidade" (cfr. respectivo art. 13º, nº1).
17. Ora, face a este regime facilmente se depreende que a autoridade de saúde de cada Estado, em Portugal, o Infarmed, só pode limitar-se a atribuir um número de registo à autorização já concedida, "em termos a definir por regulamento do mesmo Instituto", nos termos do art. 54º nº2 do Estatuto do Medicamento (este procedimento foi regulado em Portugal pela deliberação do Conselho Directivo do Infarmed de 16.7.2009, com o nº147), não podendo proceder, sequer, a qualquer avaliação técnica ou científica do medicamento genérico já autorizado pela Comissão Europeia, conforme resulta daquela mesma deliberação e, por maioria de razão, não podendo, igualmente, tomarem conta, no acto simples de atribuição do número de registo, como pretende absurdamente a Recorrente, a existência de quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros.
18. Acresce que, a Recorrente não interveio, por qualquer forma e em nenhum momento, junto da Comissão Europeia, no procedimento centralizado que ali correu conducente à autorização de introdução no mercado do medicamento genérico Nevirapina Teva, reclamando ou invocando os direitos de propriedade industrial de que alegam ser titulares na presente providência, para obstar à concessão daquela autorização.
19. Por último, diga-se ainda que o que a Recorrente pretende com o presente recurso (e pretendia com a propositura da providência cautelar) é que o Tribunal confunda o acto, vinculado, do Infarmed. de atribuição de um mero número de registo de uma AIM, com a AIM emitida pela Comissão para o medicamento genérico Nevirapina Teva, e suspendam os efeitos do que não podem ser suspensos. Suspensão essa, aliás, que jamais poderia ser decretada por um tribuna/ português, por força do regime prescrito no Regulamento e nas regras comunitárias que regulam a impugnação dos actos dos órgãos da Comunidade Europeia,
20. A Recorrente bem sabe que o Considerando 13 do Regulamento, por si invocado nas conclusões 8 a 10 de recurso, não pode obstar à aplicação pelos Estados-Membros do regime previsto nesse Regulamento, não só porque é apenas isso mesmo, um "Considerando", sem carácter normativo, tal como um preâmbulo de qualquer diploma legislativo nacional, como supõe, a admitir-se tal carácter normativo - o que não se concede - que os Estados-Membros definam, de forma objectiva, as situações em que "podem proibir a utilização, no seu território de medicamentos para uso humano", as quais, a serem fundadas num qualquer direito de propriedade industrial, deveriam estar definidas, no caso português, no Estatuto do Medicamento, ou noutro diploma legal, o que não sucede.
21. A tese contrária levaria a que nos restantes Estados-Membros, que também atribuem a natureza de direito fundamental ao direito de propriedade - o que é situação comum a todos os países ocidentais de economia de mercado - fosse admitido e reconhecido o sistema de patent linkage, o que manifestamente não é o caso.
22. Estando em causa nos presentes autos os actos de atribuição de número de registo do medicamento Nevirapina Teva em Portugal, tais actos não são susceptíveis de impugnação contenciosa, pois não constituem actos administrativos.
23. O que está em causa no presente recurso é um mero acto de registo de acto administrativo que, para além do mais, não foi praticado por entidade ou órgão nacional, mas sim pela Comissão Europeia, bastando atentar no procedimento supra descrito de emissão da autorização de introdução no mercado no âmbito de procedimento centralizado para se concluir que o acto do Infarmed de atribuição de um número de registo da autorização de introdução no mercado concedida pela Comissão Europeia ao medicamento da ora Recorrida não consubstancia um acto administrativo impugnável.
24. Os actos de atribuição de números de registo são meros actos que visam conferir publicidade e eficácia em cada Estado Membro, como aliás bem resulta das regras respectivas aprovadas pelo Infarmed, pela deliberação 147/CD/2008, de 16 de Julho de 2008.
25. No caso concreto, tal natureza é por demais evidente, pois o acto de atribuição de um número de registo praticado pelo Infarmed não pode deixar se ser visto como um acto inserido no procedimento centralizado de obtenção de AIM e que se destina a desenvolver a determinação contida nessa AIM.
26. A Recorrente, ao contrário do por si invocado expressamente em sede de recurso, não imputa à atribuição dos números de registo vícios autónomos em relação aos actos de autorização de introdução no mercado (que são os actos objecto do registo), pelo que se impõe a conclusão de que os actos de registo das autorizações de introdução no mercado conferidas pela Comissão Europeia não são susceptíveis de impugnação.
27. E é manifesto que os argumentos de ilegalidade invocados pela Recorrente se referem todos à autorização de introdução no mercado e poderiam, ou deveriam, ter sido utilizados em sede de impugnação da autorização concedida pela Comissão Europeia.
28. Ao contrário do referido pela Recorrente nas conclusões 11ª a 23ª da sua alegação de recurso, é manifesto que nos presentes autos não se verificam, em concreto, os restantes requisitos de que o artigo 120, n.º1, alínea b) do CPTA faz depender a concessão da providência, dando-se aqui por integralmente reproduzida ã oposição apresentada nos autos e os argumentos ali aduzidos a este propósito.
29. Especificamente, e quanto à não verificação do requisito do periculum in mora vertido nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 120ºdo CPTA, note-se que o medicamento Nevirapina Teva é um medicamento sujeito a receita médica restrita (MSRMR) reservada a uso hospitalar. Assim sendo, a comercialização do medicamento da ora Recorrida não se faz livremente no mercado, em concorrência aberta com os demais medicamentos estando, pelo contrário, sujeito a um especial procedimento administrativo regulado pelo Decreto-Leiº195/2006, de 3 de Outubro, como é referido na douta sentença recorrida, na página pág.4.
30. Tal regime determina que antes do seu primeiro fornecimento, o medicamento tem que ser objecto de avaliação, a qual tem que ser requerida pelo titular da AlM, sendo a decisão proferida pelo Infarmed num prazo que nunca será inferior, a 60 dias, ou seja dois meses e poderá ser bastante superior. Após tal aprovação, a comercialização do medicamento está ainda dependente da celebração de um contrato com o Infarmed, sendo certo que, conforme resulta do diploma em referência, a celebração de tal contrato não é vinculativa para os serviços do Serviço Nacional de Saúde, estando a aquisição por estes sujeita a um procedimento de aquisição específico com parecer prévio relativo à aquisição de tal medicamento nesse serviço.
31. Ora, em face de tal regime é manifesto que, a comercialização do medicamento Nevirapina Teva não só não está iminente, como é meramente eventual, pois está dependente não apenas de diversos actos procedimentais mas também da vontade (eventual) de terceiros, o que é suficiente para concluir que a obtenção e registo da AIM e mesmo a ultrapassagem dos obstáculos administrativos, não permitem concluir pela eminência da comercialização, ao contrário do que pretende a Requerente.
32. Na suspensão de eficácia a jurisprudência tem sido especialmente exigente no que se refere à concretização e prova dos prejuízos, sendo pacífico o entendimento de que não basta alegar prejuízos que, sendo prováveis, tendem a não ser especificados em factos concretos, porque apenas existem sob a forma de uma ameaça ainda não concretizada. O que é manifestamente o caso dos autos.
33. Em qualquer caso, a Requerente não alega nem demonstra que comercializa qualquer medicamento contendo Nevirapina no SNS, ou seja, no mesmo "mercado" em que a ora Recorrida poderá eventualmente vir a comercializar o Neviropina Teva, pelo que, não se compreende como pode sofrer prejuízos decorrentes da venda de tal medicamento atendendo às específicas circunstâncias em que o mesmo pode legalmente ser comercializado.
34. Note-se ainda que o eventual dano no direito de exclusivo alegado pela Recorrente, não só tem conteúdo material, patrimonial e económico, como a sua violação é, de acordo com a própria lei que regula e protege os direitos de exclusivo alegados (artigo 338º do Código do Propriedade Industrial), integralmente reparável pela via da indemnização através dos critérios definidos pelo próprio legislador.
35. Por todo o exposto, deve improceder a alegação de recurso da Recorrente, concretamente as respectivas 11a a 23º conclusões.
36. De qualquer modo, e sem conceder no que respeita à não verificação dos requisitos da providência mencionados, a presente providência nunca poderia ser concedida, ao ponderarem-se devidamente os interesses em presença, devendo, em qualquer caso, as providências cautelares requeridas ser indeferidas por ser manifesta a superioridade do interesses público, não se verificando, consequentemente o requisito previsto no nº2 do artigo 120º do CPTA, devendo improceder a alegação da Recorrente quanto a esta matéria (cfr. conclusão 24º da alegação de recurso da Recorrente).
Nestes termos e nos mais de direito: Deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
O Digno Magistrado do M.º P.º, pronunciou-se, nos termos do artigo 146º do CPTA, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
* *
2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
A. A Cl ……… apresentou o seu pedido de AlM para o medicamento genérico Nevírap/ra Teva em 07.01.2009 (cfr. documento 1 junto com a Oposição da Cl ……..), junto da Agência Europeia de Medicamentos;
B. O medicamento genérico Nevirapina Teva, nas suas apresentações e formas farmacêuticas da Contra-lnteressada …….., foi objecto AIM ao abrigo do procedimento centralizado, previsto no art. 54° do Decreto-Lei n°176/2006, de 30 de Agosto (doravante Estatuto do Medicamento);
C. Sendo tal procedimento centralizado de obtenção de autorização regido pelo Regulamento (CE) nº726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (adiante, abreviadamente, "Regulamento");
D. A entidade que procedeu à emissão da AIM do medicamento genérico supra identificado na alínea A) que antecede, foi a Comissão Europeia, através de decisão proferida em 30.11.2009 (cfr. cópia da decisão da Comissão Europeia na versão em língua portuguesa, junta como documento n°1 à Oposição da Cl TEVA, que aqui se considera integralmente reproduzido);
E. Conforme resulta da informação disponível no website do INFARMED, foi concedida à Cl TEVA, a AIM identificada na alínea que antecede foi emitida para o medicamento genérico contendo como princípio activo a Nevirapina, o qual apresenta actualmente a designação Nevirapina Teva 20 mg Comprimido, (cfr. documento nº5 junto com o requerimento inicial);
F. Nos termos do Regulamento, a "Comunidade concede e fiscaliza as autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano nos termos do Título II" (cfr. respectivo art. 4°, n°2);
G. Competindo ao Comité dos Medicamentos da Uso Humano, que faz parte da Agenda, emitir parecer sobre "quaisquer questões referentes à admissibilidade dos processos apresentados de acordo com o procedimento centralizado" e, se for o caso, emitir parecer sobre "questões científicas relativas à avaliação dos medicamentos para uso humano" (cfr. art. 5°, nº2 e 3 do Regulamento);
H. Nos termos do Regulamento, uma autorização de introdução no mercado conferida de acordo com os termos desse Regulamento "é válida em toda a Comunidade" (cfr. respectivo art.º13°, n°1);
l. Os números de registo nacionais atribuídos ao Genérico Nevirapina, ao abrigo da Deliberação n°147/CD/2008 e do art. 54 do Estatuto do Medicamento são os seguintes: 5260328 e 5260336;
J. O CCP 12 estende o período de tempo de protecção da Patente em relação a qualquer produto que contenha Nevirapine como seu único ingrediente activo (obtido pelo processo patenteado) até 9 de Janeiro de 2015 (Cfr. certidão do INPI junta ao como doc nº4 ao requerimento inicial);
K. A Cl TEVA não solicitou nem obteve autorização da Rte. para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da PT ……… e CCP 12;
L. O Genérico Nevirapina é um medicamento sujeito a receita médica restrita, reservado ao uso hospitalar (acordo).
* *
2.2. Matéria de Direito
Como decorre das alegações acima transcritas – que limitam o objecto do recurso – a recorrente insurge contra a sentença do TCA de Lisboa, que não decretou a suspensão de eficácia do acto, da autoria do Infarmed, que atribuiu números de registo nacional de uma AIM europeia, ao produto Nevirapina Teva 200mg Comprimido, propriedade da Contra-Interessada, nem intimou aquele Instituto a abster-se de abster-se de aprovar os preços de venda do medicamento por ela requeridas, alegando, em síntese útil, que a decisão recorrida viola, por erro de julgamento, o disposto nos artigos 98º do CPI, na versão vigente, a 490º nº2, 511º e 664º do CPC, e ainda os artigos 37º nº2, al.c), 112º, 120 nº1 b) e c) e 128ºdo CPTA, bem como os artigos 133º nº2, al.c) e d) do CPA e artigos 17º, 18º 62º e 266º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos então.
Pretende a recorrente que se dê como provado que a substância activa usada no genérico Nevirapina Teva é produzida pelo processo patenteado na PT…….., ou caso assim se não entenda, diz que se deve levar ao probatório, o facto de à data em que foi efectuado o pedido de patente PT95919 e da prioridade nela reivindicada, a substância Nevipapina nunca ter sido sintetizada nem ter sido divulgada a aplicação do processo que é mencionado na patente para obter tal produto, daí resultando que o objecto da Patente é um processo de fabrico de um produto novo, o que terá como consequência, nos termos do artigo 98º do CPI em vigor, que o Infarmed e a Contra-Interessada tem de provar que o processo utilizado no seu produto não viola a Patente nem o CCP.
Diga-se, desde já, que a pretensão da recorrente não pode ser satisfeita e isto porque o facto em causa, foi impugnado pela Contra-Interessada (artºs 73 e ss. da Oposição), como também foi levado ao probatório, nomeadamente, na alínea J) da matéria de facto assente, onde se refere que “ O CCP 12 estende o período de tempo de protecção da Patente em relação a qualquer produto que contenha Nevirapine como seu único ingrediente activo (obtido pelo processo patenteado)”
E, assim sendo, improcedem, consequentemente as conclusões 1ª a 3ª da alegação da recorrente.
Alega ainda a recorrente que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 128º do CPTA, ao deixar de apreciar as motivações que sustentam a Resolução fundamentada apresentada pelo Infarmed, pois se o tivesse feito (como o devia) teria de concluir que as razões aí invocadas não justificam, nem legitimam a execução do acto cuja eficácia se pretende ver suspendida. (cfr. conclusões 5ª a 7ª).
Ao pedido do recorrente, para que fossem julgadas improcedentes as razões em que assentou a Resolução Fundamentada, o Tribunal “ a quo” decidiu o seguinte: “ Trata-se de um pedido inadmissível no âmbito de aplicação estrito do artº128º do CPTA, na medida em que não foi invocada pela Rte. a prática de qualquer acto de execução sobre a qual pudesse recair a decisão do incidente em causa”.
Nenhum reparo nos merece esta decisão, pois que a Requerente não indica qualquer acto que repute de execução indevida, não há consequentemente que apreciar o conteúdo da Resolução Fundamentada.
Com efeito, do disposto nos nºs.3 a 6 do artigo 128º do CPTA, o que decorre é que o tribunal só pode apreciar as razões em que assenta a Resolução Fundamentada no âmbito de incidente deduzido para declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 2005, págs. 649 a 652, "Ao abrigo da resolução fundamentada, a Administração vai poder executar o acto e poderá continuar a fazê-lo até ao momento em que o tribunal porventura julgue infundada a resolução, no âmbito de um eventual incidente de declaração de ineficácia dos actos praticados ao abrigo da resolução (...)”.
Neste sentido se decidiu no Acórdão do TCA Sul de 07/05/2009, proc. 04996/09, onde se escreveu que, "Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente, conforme decorre da doutrina e jurisprudência invocada no despacho jurisdicionalmente recorrido, decorrendo efectivamente do disposto nos n.ºs 3 e 6 do artº 128º do CPTA, que não vindo requerida a declaração de ineficácia de actos de execução indevida do despacho suspendo, como é o caso, não é possível apreciar a legalidade da resolução fundamentada proferida, não servindo o presente incidente processual deduzido de meio para obter tal apreciação/ declaração como se de uma acção administrativa especial dirigida contra tal resolução se tratasse".
Aliás, a redacção do n.º3, do art. 128º, do CPTA, apenas permite esta conclusão, ou seja, de que a apreciação das razões em que assenta a resolução fundamentada só pode ser efectuada no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos actos praticados ao abrigo da resolução, pois aí se estatui que: “Considera-se indevida a execução quando (...) o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta” (sublinhado nosso).
E, porque só se aprecia os motivos concretos da Resolução Fundamentada se houver desrespeito pela regra ope legis constante do nº 1 do art. 128º, ou seja, se se prosseguir ou tiver prosseguido na execução do acto administrativo, temos de concluir, que bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela inadmissibilidade do pedido.
Improcedem, assim, as conclusões 5ª a 7ª da alegação de recurso da recorrente.
**
Vejamos, agora a questão de mérito, que consiste em saber se estão reunidos os pressupostos necessários para o decretamento da providência cautelar, concretamente no que tange aos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, contidos no artigo 120º n.º1 al.b) e n.º2 do CPTA.
A sentença recorrida julgou improcedente a providência cautelar da suspensão de eficácia por entender que não existem factos que fundamentem a existência de fumus boni iuris.
É a seguinte a fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”:
“ (…) Julgamos assim que o acto de atribuição de um número de registo um acto jurídico não decisório, um acto instrumental, que desenvolve apenas uma função auxiliar do acto central do procedimento centralizado de concessão de AIM (nos termos do artº54º do EM), e que, muito embora tenha autonomia funcional em relação ao acto de atribuição de AIM, os seus efeitos só se manifestam através da influência que exercem sobre o acto administrativo, atributivo da AIM, de que decorrem, conferindo-lhe eficácia em cada Estado Membro ( cfr. deliberação 147/CD/2008, de 16 de Julho de 2008).
Em virtude da natureza dos actos em causa, o regulamento aprovado por aquela deliberação do INFARMED, supra transcrita, não exige a apresentação de qualquer documentação, para além do requerimento referido no respectivo nº2 e a identificação das apresentações ou dos números europeus para os quais é requerida a atribuição de números de registo.
Resulta, assim que os argumentos de ilegalidade invocados pela Rte, e que se referem todos à decisão de AIM, poderiam ou deveriam ter sido invocados em sede de impugnação daquele acto, na medida em que as AIM dos medicamentos objecto de procedimento centralizado são, por força do disposto no artigo 13º do Regulamento, objecto de publicação obrigatória do JOUE,
Em suma, no caso sub Júdice verifica-se claramente improvável a procedência da pretensão que se visa formular no pedido de impugnação de acto no processo principal (transcrito supra), pelo que se julga verificada, quanto ao pedido de suspensão de eficácia dos actos de atribuição de números de registo, a situação de fumus malus iuris que, nos termos da al.b) do nº2 do artigo 120º do CPTA, conduz, desde logo, à não adopção da providência, sem necessidade de verificação dos demais requisitos.(...)”
Contra o assim decidido insurge-se a recorrente alegando, em síntese útil, que o acto de atribuição do número de registo é um verdadeiro acto administrativo que deve ser declarado nulo ou anulado, nos termos do artigo 135º e 133 , nº2, als. c) e d) do CPA, uma vez que ofende o conteúdo de um direito com protecção constitucional, o direito de propriedade industrial da recorrente decorrente da Patente e do CCP e é um acto causador de prejuízos de difícil ou mesmo impossível reparação, pelo que é obvia, ou pelo menos provável, a procedência da acção principal, pois verificam-se, cumulativamente, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora tal como eles estão desenhados no artigo 120º nº1 b) do CPTA.
Antes de verificar se estão ou não reunidos os pressupostos necessários para decretar a providência, cumpre, em primeiro lugar, tomar posição sobre a natureza jurídica do acto de atribuição de números de registo nacionais a uma AIM emanada da Comunidade Europeia, ou seja, saber se o acto registral, da competência do Infarmed (cfr. artigo 54º nº2 do Dec.Lei nº176/06, vulgo Estatuto do Medicamento), é um verdadeiro acto administrativo, ou é, outrossim, um acto de execução
Diga-se, desde já, que neste particular não acompanhamos a tese sufragada pelo Tribunal “ a quo”, que viu este acto como um mero acto de execução de uma AIM comunitária, por aderimos à posição defendida neste TCA que sempre considerou, nas diversas vezes que foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão, estar-se perante um acto com as características de um acto administrativo.
Escreveu-se a este propósito no recentíssimo Ac. deste Tribunal de 17.03.2011, Rec. 07027/10, a “ competência registral (....) cometida ao INFARMED (...) significa que o acto é emanado ao abrigo de normas de direito público (cfr. artº 120º CPA), acresce, como marca de administratividade, o factor garantístico público conferido pelo registo aos direitos privados em causa. Efectivamente, o interesse pretensivo a que a AIM comunitária dá satisfação ao investir o titular no poder de comercializar o medicamento a que essa AIM respeita, só por aqui não fica preenchido para efeitos de comercialização no nosso País na medida em que essa possibilidade só a adquire por atribuição de número de registo.
E é exactamente por esta circunstância, de o acto de registo produzir por si efeitos jurídicos próprios e distintos dos efeitos da AIM comunitária que o acto de registo previsto no artº 4º nº 1 da Deliberação 147/CD/2008 (regulamento de que fala o art. 54º EM; (.....) não é subsumível ao conceito de acto de execução. É que um acto de execução destina-se a tornar efectivo o comando contido no acto executado, sendo este que define a situação jurídica do particular.
Todavia, o acto de registo a que alude a Deliberação 147/CD/2008 não tem por único e exclusivo escopo permitir a operatividade concreta dos efeitos já definidos pela AIM comunitária, caso em que o registo em causa assumiria a natureza jurídica de mero requisito de eficácia objectiva da dita AIM, e não tem porque a intervenção da autoridade pública investida para o efeito, no caso, o INFARMED, configura algo mais, na medida em que por seu intermédio e nos exactos termos do acto de registo que pratica é garantida a autenticidade e idoneidade das AIM emanadas de órgão da Comunidade Europeia e dos direitos em que o beneficiário foi investido, garantia e idoneidade necessárias ao trato jurídico do medicamento no nosso País. A questão equaciona-se, assim, em termos muito distintos do patamar em que operam os meros actos de execução, na medida em que o são funcionamento do mercado ou concorrência deixou de ser uma mera questão privada, passando a ser do próprio interesse da colectividade.
O registo público de actos e direitos de interesse individual destina-se, portanto, a satisfazer o superior interesse da colectividade de que certos direitos, estados e situações dos indivíduos sejam dotados de fé e garantia (reserva) públicas. Destina-se, digamos assim, a fornecer o título de legitimidade (ou legitimação) jurídica de certa situação das pessoas e dos seus bens, face a outros. (....)
Estão presentes aí, portanto, todos os elementos jurídicos que permitem caracterizar materialmente uma determinada função ou actividade do Estado como sendo administrativa, isto é, como sendo Administração Pública em sentido objectivo. (...)”.
Assente que o acto de atribuição de números de registo é um verdadeiro acto administrativo, vejamos agora se é ou não de conceder a tutela cautelar requerida, que no caso presente tem natureza conservatória.
A lei enuncia os requisitos indispensáveis ao decretamento da providência cautelar no artigo 120º do CPTA, e desde logo se afigura não se estar perante uma situação de evidente procedência da pretensão a formular no processo principal, nos termos da alínea a) do citado preceito.
Ilustre bem esta ideia Rodrigo Esteves de Oliveira, ao afirmar que “o melhor critério delimitador é, talvez, o de apelar aqui para um juízo próximo da «certeza cautelar», ou seja, por um lado, de algo que, mesmo que não seja indisputável, se impõe para lá de qualquer dúvida razoável (e não seja fruto apenas de uma impressão do julgador), e por outro, de algo que se impõe à primeira vista, ou melhor, sumária e perfunctoriamente, sem necessidade das indagações jurídicas próprias de um processo principal”.(cfr. “Meios Urgentes de Tutela Cautelar” in “A nova Justiça Administrativa”, CEJ, Coimbra Editora, 2006, pág. 88).
Esta questão não foi abordada pela sentença recorrida, porque se classificou o acto de concessão de registos nacionais a uma AIM comunitária, “ como um mero acto jurídico, instrumental, vinculado, ou mesmo uma operação material se se tratar apenas de um mecanismo de escolha de um número de registo”, insusceptível de impugnação contenciosa junto dos tribunais administrativos. Mas mesmo considerando, como se se considera, que se trata de um verdadeiro acto administrativo, não se nos afigura, ainda assim, ser de todo evidente a procedência da pretensão formulada pela Requerente no processo principal, nem estarmos perante decisões administrativas manifestamente ilegais., e isto porque existe uma situação de incerteza relativamente à existência de quaisquer ilegalidades cometidas pelo INFARMED no procedimento de atribuição de números de registo nacionais às AIMs emanadas de órgão da Comunidade Europeia AIM’s a favor da Contra-Interessada, T…. ……. BV, pois há que saber se neste procedimento se exige ao INFARMED que faça um juízo de validade dos direitos de propriedade industrial de uma terceira entidade, isto é, se tem o dever de fiscalizar nesta matéria.
Assim sendo é de concluir pela não verificação dos pressupostos de aplicação da alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Vejamos agora se se verificam, ou não, os critérios estabelecidos na alínea b) do preceito citado.
Em primeiro lugar, cumpre relembrar, em consonância com o que sempre temos vindo a afirmar que a questão de saber se o direito de Patente, é um direito absoluto com eficácia “erga omnes”, que impõe a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito é assunto que será resolvido em sede da acção principal.
Contudo, não podemos deixar de dizer que para nós, o direito de patente não é um direito absoluto, é outrossim um direito patrimonial privado que pode ser sujeito a compressões ou restrições, por via de um interesse público prevalente.
Isto posto, cumpre ainda referir que a al.b) do nº1 do artigo 120 º do CPTA exige uma relação de causalidade adequada entre a execução do acto e os alegados prejuízos de difícil reparação, incumbindo à requerente concretizar e especificar tais prejuízos, mediante factos concretos e determinados, que, pela sua credibilidade, notoriedade ou verosimilhança, sejam de molde a conseguir convencer o julgador (cfr., entre outros, os Ac.s do STA de 03.07.2003 e de 19.03.2002, proferidos no âmbito dos Rec.nºos 0782A/03 e 0484/03, respectivamente).
Ora, no caso concreto, o nexo de causalidade não ocorre, uma vez que quaisquer prejuízos que ocorram não derivam directamente do acto administrativo proferido pelo INFARMED – atribuição de números de registos nacionais a uma AIM comunitária – que legitima tão somente a qualidade e a segurança do medicamento genérico, tal como resulta do artigo 25º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Dec-Lei n.º 176/2006, de 30.08, que transpôs para a ordem interna a Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, decorrem, outrossim, da efectiva comercialização dos medicamentos.
Acresce que os prejuízos invocados, são meramente eventuais ou hipotéticos, e podem até nem vir a concretizarem-se mas, a ocorrerem derivam de vários e diversos actos concretos de natureza privada tanto da responsabilidade da empresa contra-interessada, ora recorrente, como da responsabilidade de outros agentes económicos – médicos, farmacêuticos e utentes – e não do acto de registo a que alude a Deliberação nº147/CD/2008.
E a falta de nexo causal é ainda notória pelo facto da empresa detentora do direito de comercialização do genérico, não ser obrigada a comercializá-lo, detendo apenas o ónus de comercialização do medicamento genérico (cfr. disposições conjugadas dos artigos 14º, n.º1 , 29, n.º1, al.a) e nº3 do artigo 77 do Estatuto do Medicamento - Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08).
Por outro lado, ainda é possível, após a AIM, a negociação entre as empresas concorrentes, das condições de comercialização do produto genérico, de modo a estabelecer o equilíbrio de interesses e, nomeadamente, é possível a autorização da empresa que detém a patente – mediante contrapartida ou sem ela – para a comercialização de produtos com a composição do princípio activo patenteado já que a comercialização de genéricos cujo princípio activo faz parte de medicamentos de referência, está expressamente prevista na lei (cfr vg, artºs 18º nº4 e 19º nº1 do Estatuto do Medicamento).
E os prejuízos invocados pela ora Recorrente, além de meramente eventuais, são, ao invés do que afirma, de fácil quantificação podendo ser calculados em sede de execução de sentença (tendo como referência a diminuição de lucros imputáveis à entrada no mercado dos novos medicamentos genéricos até à sua retirada) caso a acção principal venha a ser julgada procedente.
Como já se observou em diversos arestos, num contexto semelhante ao caso dos autos (cfr. entre outros, os Ac.s do TCA- Sul 28.02.2008 e 18.12.2008 proferidos, respectivamente, nos Rec.nºos 3222 e 568/07).
Já quanto aos danos imateriais invocados pela Recorrente, para a sua análise importa atender, a par das normas contidas no Estatuto do Medicamento, também ao disposto no Código da Propriedade Industrial. Mas, ainda que se reconheça uma potencialidade lesiva aos actos de Autorização de Introdução no Mercado e aos actos de fixação de preço de venda ao público, tal não basta para se darem por violados os direitos imateriais, sendo que a solução se há-de encontrar quer através do Estatuto do Medicamento, quer pelas normas do CPI, ou seja, em face do regime jurídico da Patente disciplinado nos artigos 97 e ses do citado Código e também da interpretação que deve ser feita do Direito Comunitário, directamente aplicável na ordem jurídica , por força do seu primado.
Assim, deve concluir-se, em face de todo o exposto, que caso a providência não seja decretada não existe o perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com essa decisão, nem taão pouco que ocorram prejuízos de difícil reparação para a recorrente.
Deve ainda dizer-se que quanto ao requisito do funus boni iuris , que a sua analise fica prejudicada por o mesmo funcionar em conjugação com o previsto na 1ª parte ds al.b) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Mas, ainda que tais requisitos se tivessem verificado – o que não é o caso - sempre havia que proceder à ponderação dos interesses prevista no n.º2 do artigo 120º do CPTA.
De um lado um interesse privado, de conteúdo patrimonial decorrente da titularidade da patente, e do outro lado, o interesse público em garantir a acessibilidade de todos os portugueses aos cuidados de saúde. Ora, está bem de ver que o retardamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos, de menor custo, causa efectiva lesão do interesse público, com custos relevantes para o consumidor e, em última análise, para o Estado, através do regime de comparticipação do Serviço Nacional de Saúde (cfr. o Relatório Preliminar sobre o Inquérito ao sector farmacêutico publicado pela Comissão Europeia em 28.12.2008, relativo às práticas concorrências seguidas pelas empresas titulares das patentes para travarem os genéricos, com custos para os contribuintes e para os pacientes).
Perante o exposto, impunha-se assim indeferir, por estas razões, o pedido de suspensão de eficácia requerido pela recorrente.
Já no que concerne ao outro pedido formulado pela B………., de intimar o INFARMED, durante o período de vigência da PT ……… (que termina a 22.11.2012) e do CCP 12 (em vigor até 09.01.2015) a abster-se de aprovar os preços de venda do produto Nevirapina Teva 200mg Comprimido requeridos pela Contra-Interessada, importa, desde logo ter presente, que nos casos como o dos autos, em que o medicamento é um daqueles medicamentos classificados como um medicamento de receita médica restrita e reservado a certos meios especializados (cfr. al.L) do probatório), a comercialização do medicamento não se faz livremente no mercado, está sujeita a um especial procedimento regulado pelo Dec.Lei nº 195/2006, de 3 de Outubro, como aliás a recorrente até o reconhece nos artigos 62º e segs. da petição inicial.
Tal regime determina que antes do primeiro fornecimento, o medicamento seja objecto de uma avaliação requerida pelo titular da AIM comunitária, a que foi atribuído o número de registo nacional, devendo o INFARMED proferir uma decisão sobre esse pedido num prazo que nunca pode ser inferior a 55 dias e que pode exceder mais de meio ano, e se o pedido vier a ser deferido, a comercialização do medicamento está ainda dependente da celebração de um contrato com o INFARMED.
Feito este enquadramento vejamos agora se se verificam os requisitos previstos na al.b) do nº1 do artigo 120º do CPTA. É sabido que as providências antecipatórias tem o propósito de manter o “ status quo ante”, garantindo provisoriamente a manutenção do estado de coisas preexistente. aqui, o requisito do “ fumus boni iuris” apresenta-se na sua formulação mais suave, porquanto surge-nos na sua formulação negativa, ou seja, se não for manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Por maioria de razão, vale tudo quanto acima se deixou dito a propósito do pedido de suspensão de eficácia dos actos registrais da AIM comunitária, da titularidade da Contra-Interessada, praticados pelo INFARMED que conduziu à improcedência do pedido.
Acresce ainda referir que se Contra-Interessada proceder à comercialização do medicamento violando as regras da propriedade e da concorrência, é ao próprio comportamento desta que se devem imputar os prejuízos que daí advenham para terceiros, e não ao acto de atribuição dos números de registo praticado pelo INFARMED. podendo a lesada socorre-se dos meios cautelares adequados nos tribunais competentes para a defesa dos direitos de propriedade. Cabe ainda dizer, na linha do que sempre defendemos que mesmo que se verificassem os requisitos previstos na al. b) do nº1 do artigo 120º do CPTA sempre teríamos que proceder à ponderação dos interesses prevista no n.º2 do aludido artigo e optar pelo interesse público, que é o de garantir aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, no tratamento das infecções de HIV-1 e SIDA, um medicamento similar ao de referência a um custo mais baixo.
É, pois, de concluir pela improcedência do recurso.
x x
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida com esta fundamentação.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias.
Lisboa, 30.06.011
António A. C. Cunha
Fonseca da Paz (Votei o acórdão pelas razões que constam da declaração junta.
Tal como o acórdão, entendo ser de indeferir a suspensão de eficácia requerida, embora não concorde com os fundamentos em que ele se baseou, pelas razões que se passam a expor.
O medicamento genérico em causa nos autos foi objecto de AIM concedido ao abrigo do procedimento comunitário centralizado previsto no artº54º di D.L. nº176/2006 e regido pelo Regulamento (CE) nº176/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.
Nos termos daquele artº54º, os titulares de A.I.M.s obtidos por via do referido procedimento centralizado requerem, ao Infarmed, a atribuições de números de registos “ em termos a definir por regulamento do mesmo Instituto”. Deste Regulamento - aprovado pela deliberação nº147/CD/2008, do Conselho Directivo – resulta que a competência do Infarmed se resume à mera verificação do titulo e à atribuição de um numero de registo (artº4). De acordo com o mencionado Regulamento (CE) nº176/2004, é a Comissão que compete não só conceder a AIM, como também proceder à sua alteração, suspensão ou revogação (cfr. artº 82º,nº2). Tais AIMs são válidas em Portugal, conferindo os mesmos direitos e obrigações que uma AIM concedida pelo Infarmed (artº13º desse Reg nº176/2004). Assim, a intervenção do Infarmed parece limitar-se à atribuição de um número de registo (consubstanciando, pois, um mero acto de registo de um acto administrativo praticado pela Comissão), sem que se proceda a qualquer avaliação técnica ou cientifica do medicamento genérico e sem que haja possibilidade de tomar em consideração quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, sob pena de se contrariar o direito decorrente da AIM e de desaplicar o direito comunitário.
Acresce que, conforme é jurisprudência quase unânime deste tribunal, a AIM tem o único sentido de habilitar o respectivo titular à comercialização do medicamento em causa e, apesar de estar inserida num procedimento de carácter complexo, onde existem outras intervenções administrativas posteriores que procedem essa comercialização, é ela que configura a decisão central desse procedimento e que representa o momento adequado para considerar a eventual existência de exclusivos derivados de patentes (cfr entre muitos, os Acs. de 14/2/2008 –Proc.nº3165/07 e de 25/11/2010 – Proc. nº6679/10, dos quais fui relator). Ora, se é no acto da AIM que serão considerados os eventuais exclusivos derivados de patentes parece-me que em qualquer outro momento do procedimento não deve ter lugar essa apreciação. Assim, se as “A.I.M. Europeias” são válidas em Portugal, conferindo os mesmos direitos e obrigações que uma AIM concedida pelo Infarmed, entendo que é na altura da sua concessão – e só nela – que devem ser tomadas em consideração os referidos exclusivos.
Portanto, e considerando que a atribuição do número de registo corresponde a um acto de mera certificação formal que não pode revogar uma AIM concedia pelo órgão da C.E., onde deverão ser tomados em conta a existência de exclusivos derivados de patentes, entendo que, no caso, a suspensão de eficácia deve ser indeferida, por ausência do requisito do “ fumus boni iuris”, previsto na 2ª parte da al.b) do nº1 do artº120º do CPTA.)
Rui Pereira (Vencido. À semelhança de inúmeros processos idênticos em que fui relator, teria concedido provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e concedido à requerida suspensão de eficácia).

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/4b0db8187a28b3d6802578c5002e995a?OpenDocument

Pesquisar neste blogue